1
de súbito
impressentidas paisagens
furam
o esparso e cinzento
nevoeiro
suavemente
a âncora do tempo
desliza
como fofa poltrona
que em pachorra e bocejo
se afunde
baços são então os dias
na ilha
baça é a vida
baças as horas
medidas em pasmo e basalto
2
emaranhado enrolar de
emaranhado mar
o vento à solta
e o baixo céu
o embaciado tempo
invisível resfolgar
de animal antigo
agita
as vivas entranhas
das águas
insofridas aves marinhas
rodopiam em desvario e
memória suspensa
de espuma
e rocha
mas é na recôndita voz
dos búzios
que se albergam
os remotos labirintos
da distância
3
neste esporádico parênteses
deste tempo manso
manso e liquefeito
desagua
a vertical bonança transparente
e as árvores
livres estátuas do tempo
sustentam nos ombros
o esfarrapado das nuvens
a doida alegria dos pássaros
[entontecidos
Maria Luísa Soares
(Janeiro, 95)
Inédito
Maria Luísa Soares (1940), professora, romancista, poeta, é natural da freguesia de Santo António, ilha de S. Jorge, e reside em Lisboa.
Quadro de Auguste Renoir; http://www.topofart.com/images/artists/Pierre-Auguste_Renoir/paintings/renoir007.jpg