Fátima Sequeira Dias: 1958-2013
Isto não é um obituário
A Fátima Sequeira Dias morreu. Era – é – filha de Nascimento Sequeira Dias (já falecido) e de
Mariana Silva Sequeira Dias; mãe de Rodrigo Sequeira Dias Filipe e de Bernardo Sequeira Dias Filipe;
irmã de Filomena Sequeira Dias, de Mário Sequeira Dias, casado com Susana Patrícia Pacheco Dias, e
de Luís Sequeira Dias; tia da Maria Helena, do Carlos Miguel, da Bárbara, do Miguel, do Filipe e do
Tiago. Apesar de se encontrar na capela de São Joaquim, hoje ela vive mais do que em qualquer outro
dia do passado.Hoje, mais do que nunca,se falará dela, se lembrará a sua coragem, o seu humor, a sua
generosidade. Portanto, isto não é um obituário. É desnecessário recordar os principais momentos do
seu percurso biográfico, os estudos no estrangeiro, as bolsas que recebeu de instituições prestigiadas, o prémio internacional com que a sua tese de doutoramento foi distinguida, as dezenas de obras publicadas, a introdução de áreas de trabalho pioneiras na UAc, as funções de destaque que exerceu na mesma Universidade. Não. Isto não pode ser um obituário. Tivessem-lhe perguntado qual era a sua última vontade e ela teria respondido: «Não aparecer num obituário.» Além disso, irreverente e luminosa como era – é –, detestaria que o seu nome fosse fechado numa caixa contornada a preto, com uma cruz ao canto, numa página triste de jornal. Obituário, não. A Fátima amava a vida: viajante incansável, observadora deslumbrada deste mundo, coleccionava arte, antiguidades jornalísticas, raridades historiográficas e amigos de várias idades e origens. Em diversas partes do mundo,pessoas que se apercebiam
de que tinham em comum serem amigas da Fátima, tornavam-se amigas. E a vida amava a Fátima: onde ela estava, havia boa comida, bom vinho, boa música, boa companhia, boa conversa. Reservava, pelo menos, uma hora por dia para leituras que nada tivessem a ver com trabalho. Preferia as biografias e
memórias – as vidas dos outros continham sempre os mais comoventes testemunhos de beleza e de elevação, de bravura e de paixão.
Catedrática, trabalhava como se fosse Assistente; muitas vezes, como se ainda fosse estudante.
Ria-se de tudo o tempo todo – principalmente de coisas sérias; principalmente de si. As suas gargalhadas soavam em qualquer ocasião e lugar, e pessoas em tudo diferentes umas das outras – como a empregada da mercearia ou o intelectual estrangeiro – riam com ela.
Era inseparável da sua querida família, dos seus bons amigos e dos seus incontáveis livros, que anotava
carinhosamente, sempre a lápis, numa caligrafi a bonita. Era aí que procurava água, terra e sol. Tudo o que ambicionava era – é – ficar no meio deles. Tivesse ela tido mais tempo, muitas horas lhes dedicaria. Muito mundo correria. Projectos não lhe faltavam: mais um livro, o seu próprio dicionário sentimental, já se ia formando nos caderninhos em que a doença escrevia em linhas tortas.
Respeitemos a última vontade da Fátima.
Isto não é um obituário.
Faz hoje 54 anos, 2 meses e 27 dias que a
Fátima Sequeira Dias nasceu. Viva a Fátima!
Leonor Sampaio da Silva
Nota: A autora, Leonor Sampaio da Silva é Professora do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade dos Açores,Portugal.