ITE, MISSA EST!
Durante os últimos catorze anos colaborei com estes folhetins, ininterruptamente – salvo em tempos de férias, ou aqui e ali quando os afazeres mo não permitiram -, no “Diário Insular”. O mesmo aconteceu, por onze anos, no “Açoriano Oriental”. Nas minhas crónicas, falei de política, de pessoas, de acontecimentos. Para elas, recorri às minhas experiências, aos meus conhecimentos, às vozes do povo. Por causa delas, abdiquei de outras actividades, de horas de sono, do convívio familiar. Com elas, cheguei a muitas centenas de pessoas, que por esta via me ficaram a conhecer.
Porém, chegou a altura de parar: é preciso saber-se quando se deve sair de cena.
Estes anos coincidiram com os doze em que fui deputado, e com os vinte meses em que fui secretário regional. Se, no exercício das primeiras funções, o ter colaboração fixa em órgãos de comunicação social escrita era considerado normal e até útil – houve e há outros deputados que o fazem -, o mesmo já não aconteceu com o exercício das segundas: muita gente achou que eu, sendo membro de um governo, deveria ter interrompido a minha colaboração pessoal com os jornais; e estou mesmo convencido de que o facto de o não ter feito terá contribuído, por várias razões que me dispensarei de enunciar, para a minha demissão. Entendi, no entanto, que ser membro do governo não tira a capacidade de pensar de um homem, não o pode castrar, e sobretudo não lhe pode retirar a condição de homem livre.
Continuei a escrever – ou seja, a emitir opiniões e a exprimir emoções – enquanto fui secretário regional, e contra todas as normas do politicamente correcto, pelas mesmas razões por que o fazia de antes (e recordo, a quem o não saiba, que comecei a escrever em jornais de circulação nacional no início dos anos de 1980): porque me apeteceu. A quem agradou, agradeço: ter-lhes-ei sido útil; a quem não agradou, agradeço igualmente: foram-me úteis.
Por definição, as duas margens de um rio nunca se tocam. E no entanto, durante todos estes anos eu estive com um dos pés em cada uma das margens de um dos rios que correm pela minha vida – e a minha vida, pessoal e profissional, vai muito mais além do que fui e do que fiz nos dezoito anos em que estive na política activa – : o pé esquerdo na margem direita, e o pé direito na margem esquerda.
De cara a montante e de costas a jusante.
Porque foi assim, preocupado em conhecer as origens dos problemas e das situações de que me ocupava e não com a minha sobrevivência como político – e por isso me orientava para a nascente – que me assumi. Só conhecendo a origem do rio, e os seus acidentes de percurso até ao local onde o observamos, se pode saber porque é que ele às vezes seca, porque é que às vezes corre violento e outras calmo, e porque é que, também às vezes, transborda.
O meu rio transbordou.
Durante estes anos de política deparei-me com muitos problemas – uns que tinham a ver com as fraquezas e as forças das pessoas, outros com casos de polícia. Conheci muita gente: valentes e cobardes, seguros e inseguros, honestos e desonestos, verdadeiros e hipócritas.
Conheci lutadores e ratos de navio.
Conheci gente que me apoiou, e gente que me atraiçoou; uns, muitos, que foram meus amigos enquanto nas suas ficções pessoais eu podia constituir uma mais-valia, e que me escarneceram quando descobriram que eu já de nada lhes serviria – e outros, poucos, que continuam a honrar-me com a sua amizade. Aos primeiros, respeito-os -acreditando que o tempo dirá de que lado está a razão e a verdade; aos segundos, afianço que permaneço o mesmo, e que continuarei a escrever o que quiser, e onde e quando me apetecer – porque sou um homem da palavra.
A todos eu conheço o nome.
Não farei minhas as palavras que o evangelista Lucas (9:5) colocou na boca de Jesus dirigindo-se aos Apóstolos – até porque soaria a sacrilégio: “Se nalguma terra as pessoas não vos quiserem receber, quando saírem de lá sacudam o pó dos pés”. Não sacudirei o pó das sandálias com que percorri todas as nossas ilhas, até porque a terra que servi é minha de direito próprio: foi nos Açores que nasci e fui criado. Sou açoriano, doa a quem doer.
Por isso, neste momento pensado, apenas direi: “Ite, missa est” – que em vulgar significa: “Ide, chegou a hora da despedida”.
Como na Sapateia.
Porém, chegou a altura de parar: é preciso saber-se quando se deve sair de cena.
Estes anos coincidiram com os doze em que fui deputado, e com os vinte meses em que fui secretário regional. Se, no exercício das primeiras funções, o ter colaboração fixa em órgãos de comunicação social escrita era considerado normal e até útil – houve e há outros deputados que o fazem -, o mesmo já não aconteceu com o exercício das segundas: muita gente achou que eu, sendo membro de um governo, deveria ter interrompido a minha colaboração pessoal com os jornais; e estou mesmo convencido de que o facto de o não ter feito terá contribuído, por várias razões que me dispensarei de enunciar, para a minha demissão. Entendi, no entanto, que ser membro do governo não tira a capacidade de pensar de um homem, não o pode castrar, e sobretudo não lhe pode retirar a condição de homem livre.
Continuei a escrever – ou seja, a emitir opiniões e a exprimir emoções – enquanto fui secretário regional, e contra todas as normas do politicamente correcto, pelas mesmas razões por que o fazia de antes (e recordo, a quem o não saiba, que comecei a escrever em jornais de circulação nacional no início dos anos de 1980): porque me apeteceu. A quem agradou, agradeço: ter-lhes-ei sido útil; a quem não agradou, agradeço igualmente: foram-me úteis.
Por definição, as duas margens de um rio nunca se tocam. E no entanto, durante todos estes anos eu estive com um dos pés em cada uma das margens de um dos rios que correm pela minha vida – e a minha vida, pessoal e profissional, vai muito mais além do que fui e do que fiz nos dezoito anos em que estive na política activa – : o pé esquerdo na margem direita, e o pé direito na margem esquerda.
De cara a montante e de costas a jusante.
Porque foi assim, preocupado em conhecer as origens dos problemas e das situações de que me ocupava e não com a minha sobrevivência como político – e por isso me orientava para a nascente – que me assumi. Só conhecendo a origem do rio, e os seus acidentes de percurso até ao local onde o observamos, se pode saber porque é que ele às vezes seca, porque é que às vezes corre violento e outras calmo, e porque é que, também às vezes, transborda.
O meu rio transbordou.
Durante estes anos de política deparei-me com muitos problemas – uns que tinham a ver com as fraquezas e as forças das pessoas, outros com casos de polícia. Conheci muita gente: valentes e cobardes, seguros e inseguros, honestos e desonestos, verdadeiros e hipócritas.
Conheci lutadores e ratos de navio.
Conheci gente que me apoiou, e gente que me atraiçoou; uns, muitos, que foram meus amigos enquanto nas suas ficções pessoais eu podia constituir uma mais-valia, e que me escarneceram quando descobriram que eu já de nada lhes serviria – e outros, poucos, que continuam a honrar-me com a sua amizade. Aos primeiros, respeito-os -acreditando que o tempo dirá de que lado está a razão e a verdade; aos segundos, afianço que permaneço o mesmo, e que continuarei a escrever o que quiser, e onde e quando me apetecer – porque sou um homem da palavra.
A todos eu conheço o nome.
Não farei minhas as palavras que o evangelista Lucas (9:5) colocou na boca de Jesus dirigindo-se aos Apóstolos – até porque soaria a sacrilégio: “Se nalguma terra as pessoas não vos quiserem receber, quando saírem de lá sacudam o pó dos pés”. Não sacudirei o pó das sandálias com que percorri todas as nossas ilhas, até porque a terra que servi é minha de direito próprio: foi nos Açores que nasci e fui criado. Sou açoriano, doa a quem doer.
Por isso, neste momento pensado, apenas direi: “Ite, missa est” – que em vulgar significa: “Ide, chegou a hora da despedida”.
Como na Sapateia.
Luiz Fagundes Duarte
Luiz Fagundes Duarte , é Doutor em Linguística Portuguesa (1990) pela Universidade Nova de Lisboa. Professor catedrático pela mesma universidade.