JAIR HAMMS, o encantador de palavras
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Lélia Pereira da Silva Nunes
No labor da escrita de Jair Francisco Hamms bailam palavras esculpidas com elegância, dignas de um esteta. Nem poderia ser diferente, considerando o grande amor do escritor pela palavra, por sua etimologia e sonoridade. A escrita literária é antes de tudo um trabalho artístico e o escritor é o artesão que dá forma sensível à matéria palavra na criação da sua obra – o livro. Uma verdadeira obra de arte inscrita na narrativa ficcional, no conto e na crônica. Tudo na conta certa como deve ser uma obra de arte e ao jeito do seu criador.
Guardarei na lembrança o signo literário do ilhéu-escritor Jair Francisco Hamms: estilo inigualável, pena invulgar. Esta é sua marca, sua identidade literária. Uma linguagem deliciosa, inventiva. Uma escrita escorreita, independente, ponteada com bom humor e sutil ironia. Hábil ao conduzir com absoluto domínio, a arte da narrativa concisa e leve no fluir, escrevendo crônicas cheias de sabor, refinadas, líricas.
Nunca fui sua ouvinte ou escutei suas histórias partilhadas entre amigos, mas sempre fui uma atenta leitora e, neste “status,” ora ouvia o narrador onisciente Jair que dava voz aos seus personagens, ora me deixava envolver em mundividências por trilhas da ficção, em enredos incríveis que ele tão bem sabia criar com sua capacidade de fabulação. Ali era apenas o personagem a passear por seus contos como em Samba no Céu (2002) e deixar patenteado a sua maestria de encantador das palavras “Imantando e justapondo as palavras com o cuidado, a destreza e a precisão com que um joalheiro pinça e monta minúsculas e preciosas peças…”
É exatamente na sabedoria do lapidar as palavras que extrai todas as possibilidades expressivas, todas as nuanças e sutilezas, um efeito admirável que enriquece a sua produção literária, na busca de temas singulares, nos dramas e comédias do universo ilhéu narrados com simplicidade, recheados com diálogos curtos, de grande mobilidade e com a irreverência típica da cultura “mané” que cativam o leitor. Um olhar arguto, de grande sensibilidade para o mundo Ilha, a amada Ilha de Santa Catarina, a sua Florianópolis. Aí está a marca de Jair como escreveu o seu amigo e parceiro em Batuque bem Temperado, o escritor Flávio José Cardozo.
William Faulkner, um dos mais referenciados e influentes escritores do Século XX, em muitos de seus contos teve por palco a comunidade fictícia de Yoknapatawpha, no Mississipi e por ela caminhava com seus enredos, personagens reflexivas e frases refinadas.
Jair Francisco Hamms fez do seu torrão natal o cenário de seus enredos, abriu e fechou centenas de vezes as cortinas do grande palco insular e por ali sentiu o pulsar de tudo e de todos, respirando o lugar, o tempo ilhéu. Aconchega realidades e sonhos. Partilha sentimentos. Fala de nostalgia tecendo o tempo intemporal. Recorda o ontem, fala das tradições e coisas de hoje, avança por veredas do amanhã de todos nós.
Na ficção descritiva dos costumes compõe uma historicidade social e cultural de Florianópolis e sua gente. Narra com tanta proximidade como se partilhasse imagens, ritmos, sons e confidências. Se emociona a falar da Ilha que tanto ama, do mesmo jeito que puxa da memória (e da coletiva) e deixa emergir a sua história de vida, componentes do seu mundo feito de mar configurado, inicialmente, na Rua Bocaiúva da sua infância recordada no conto “Branco assim da cor da lua” (In: 13 Cascaes,2008:53) para desembocar na Armação do Pântano do Sul, a antiga Armação e Fazenda de Sant’Anna da Lagoinha, onde vivia ao lado de sua mulher Lúcia, dos filhos e netos.
Brinda-nos com uma fértil produção literária compreendida pelas incontáveis crônicas publicadas nos jornais O Estado e Santa Catarina e nos livros: Estórias de Gente e Outras Estórias (1971),O Vendedor de Maravilhas(1973),O Detetive de Florianópolis(1984), A Cabra Azul,(1985), o ensaio Santa Catarina, um caleidoscópio étnico (1995), Samba no Céu (2002),13 Cascaes, antologia de contos (2008) e Batuque Bem Temperado, junto com Flavio José Cardozo (2009). Sua crônica A Sobrinha da Senhora Dodsworth deu origem ao premiado curta-metragem Alumbramentos, de Laine Milan (2002). Está presente em inúmeras antologias, colaborou na elaboração do Grande Dicionário Brasileiros da Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda. Ocupava, desde 2004, a Cadeira nº25 da Academia Catarinense de Letras e pertencia ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Na quarta-feira passada, dia 11 de Janeiro, partiu Jair Francisco Hamms, o homem da Ilha, um nome que honra as letras catarinenses. Ficou a “saudade” – delicioso pungir de acerbo espinho, definição de Almeida Garret no poema “Camões”(1825) – do amigo, do escritor. Ficou a perenidade artística de sua obra, uma escrita espacial cheia de luminosidade, de aromas, de cromacias, de alegria derramada, expressão genuína da alma da Ilha de Santa Catarina.
Florianópolis,Janeiro de 2012
Ilha de Santa Catarina
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Foto: Divulgação do livro Batuque Bem Temperado,2009.
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