JOHN UPDIKE E EDMUND WILSON
AO LARGO DOS AÇORES
Os portugueses, muito especialmente os açorianos, marcaram presença com frequência na literatura norte-americana a partir do século XIX até aos nossos dias. Ora como personagens decisivas ora meramente decorativas, foram quase sempre representações marcadas pela má fé, ignorância e racismo aberto desses escritores, que vão desde Mark Twain a John Steinbeck. No entanto, pelo menos dois grandes escritores norte-americanos “viram” os Açores e os açorianos de modo radicalmente diferente, demonstrando que certas “sensibilidades” e “racionalidade” nem sempre cedem a preconceitos culturais e históricos. Dois casos curiosos são o de John Updike e de Edmund Wilson, o primeiro na sua maturidade absoluta, o outro na sua meninice curiosa e creio que já prevendo o crítico de vistas largas e, sim, multicultural da sua sociedade. Updike passou ao largo dos Açores a meados do século passado, e fez um poema que chamaria até a atenção de Jorge de Sena, que o traduziu; Wilson, também nos viu ao longe adentro de um navio a caminho da Europa, mas escreveria no oposto absoluto a um Mark Twain, este desorientado e americanamente feroz para com os faialenses no seu Innocents Abroad aquando da sua passagem pelas ilhas a meados do século XIX. Aliás. Onésimo T. Almeida, que organizou a colectânea de poesia açoriana (The Sea Within, 1983), traduzida em grande parte por George Monteiro e publicada pela Gávea-Brown, dedicaria o livro “to Melville, who understood the Azoreans, and to Mark Twain, who did not.”
Eis John Updike:
Grandes navios verdes
eis que navegam
ancorados para sempre
sob as águas
enormes raízes de lava
prendem-nos firmes
a meio do atlântico
ao passado.
Os turistas, pasmando
do convés,
proclamam aos guinchos lindas
as encostas malhadas
de casinhas
(confetti) e
doces losangos
de chocolate (terra),
Maravilham-se com
os campos graciosos
e os socalcos
feitos à mão para comer
os modestos frutos
das vinhas e das árvores
importadas pelos
portugueses:
paisagem rural
vindo à deriva
de há séculos;
a distância
amplia-se.
O navio singra.
Outra vez a constante
música alimenta
um vazio à popa,
os Açores sumidos.
O vácuo atrás e o vácuo
à frente são o mesmo.
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Sobre Vamberto Freitas:
Açoriano, das Fontinhas,Ilha Terceira. Leitor de Língua Inglesa na Universidade dos Açores, escritor com uma expressiva produção literária sobre as literaturas norte-americana e açoriana. Neste momento prepara uma coletânea de ensaios sobre literatura luso-americana.Da sua farta produção literária destaca-se o Jornal de Emigração (4 volumes) O Imaginário dos Escritores Açorianos,A Ilha em Frente: Textos do Cerco e da Fuga e Jornalismo e Cidadania:Dos Açores à Califórnia. Tem publicado algumas traduções, principalmente da poesia de Frank X. Gaspar e da prosa de Katherine Vaz intitulada O Outro Lado do Espelho: Imaginários Luso-Descendentes em que sobressaem o rigor técnico e estético com grande sensibilidade poética. É colaborador de inúmeros periódicos e revistas com crítica literária e ensaios sobre contextos histórico-culturais,sobretudo a temática da emigração.Reconhecido e respeitado por sua postura firme e direta no debate e na defesa da identidade cultural açoriana. Sua obra é referência para estudantes,professores e investigadores que se debruçam no entendimento do sistema literário açoriano e na percepção do imaginário açoriano no arquipélago e nas comunidades da diáspora.
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Crédito imagens:acervo Blog Comunidades,out.2009