Edmund Wilson em A Prelude: Landscapes, Characters and Conversations from the Earlier Years of my Life (1967), numa tradução livre minha:
“8 de Maio de 1908 [O meu aniversário. Tinha treze anos de idade]
As Ilhas dos Açores.
Durante a tarde passámos ao largo de três ilhas dos Açores. Primeiro passámos ao largo do Faial, e depois pelo Pico [Peko, como aí escreve Wilson]. O Pico tem uma montanha com 7.613 pés de altura, o cume do qual está nas nuvens. Depois disso avistámos a ilha de São Jorge, que é muito bonita.
Podíamos ver [o que pareciam ser] palmeiras ao cimo das montanhas. As casas eram esbranquiçadas com telhados avermelhados e havia muitos moinhos, que mais pareciam gigantescos brinquedos de criança. De São Jorge, chegou até nós um homem fardado, o Cônsul americano, na companhia de alguns portugueses, vindo todos ao navio para receberem o correio, que lhes foi atirado barco abaixo enquanto o comandante falava através de um megafone com o cônsul, que usava um monóculo.
O povo dos Açores é quase todo português, (porque as ilhas pertencem a Portugal) e é muito asseado. Tão asseado que alguns emigrantes dos Açores não estavam autorizados a misturarem-se com outros, tendo um lugar reservado só para eles.
As ilhas são muito diferenciadas entre si e montanhosas e pareciam rodeadas por falésias muito altas, com as ondas a galgar meia rocha.
Uma senhora disse-nos que tinha três filhos, todos rapazes, que nunca tinham visto os Açores.
Passámos ao largo de São Miguel às quatro da manhã.”
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Wilson viria, muito mais tarde na sua vida, já como crítico e ensaísta famoso, a ser um dos melhores amigos e admiradores de John dos Passos. Demonstra na sua correspondência já publicada que se dava conta do momento em que Dos Passos se tornava consciente, por assim dizer, da sua costela lusa, começando então a virar-se mais atenta e emotivamente para esse lado da sua ancestralidade. Mas Wilson alimentava por sua parte fortes preconceitos contra outros. Dos espanhóis, por exemplo, só falava com desdém, e dizia que nem conseguia uma leitura completa de D. Quixote. Aos Árabes, chamava-os “dopey”. Ante os portugueses, Wilson manteve-se quase sempre calado, mas vários factores, de mais ou menos importância, contribuíram para uma atitude, digamos que mais tolerante: a sua profunda amizade com o autor de Manahattan Transfer e de The Portugal Story, e ainda a consciência ética e estética do Modernismo norte-americano; o facto de ter vivido durante anos e anos em Wellfleet, vizinho portanto de alguns imigrantes nossos e de muitos luso-americanos, dando diariamente preferência ao pão das nossas padarias – e algo mais. Wilson era o grande crítico americano do seu (longo) tempo a que nada e ninguém lhe escapavam na área da literatura. Já na década de setenta, Wilson confessa-se ao escritor e crítico britânico V. S Prittchet (que acabava de publicar um longo ensaio sobre Eça de Queirós, mais tarde reproduzido no seu livro The Mythmakers) dizendo-lhe que sempre tinha querido ler o romancista português, mas simplesmente não confiava em traduções (ele que lia em várias outras línguas, incluindo hebreu e húngaro). Confessou ainda noutro texto dos anos 60 a sua “injustiça” perante todo o mundo hispânico e as suas literaturas nas Américas. Mas já era tarde de mais para se redimir. Wilson faleceu aos 77 anos em 1972.
Digo com frequência aos meus alunos aqui na Universidade dos Açores que a “construção” de “imagens” étnicas numa sociedade multicultural como os Estados Unidos (ou Canadá) é algo de muito complexo, contraditório, envolvendo “grandes” e “pequenos” factores intelectuais e afectos vários, acasos do nosso dia a dia, processo no qual nos Estados Unidos tanto a literatura como o cinema têm influência decisiva. Falo-lhes no famigerado caso Big Dan’s, e os seus olhos manifestam a perplexidade de quem sempre pertenceu a uma cultura de brandos costumes. “Nós não somos assim” – gostariam responder em directo.
Por mim, prefiro Updike e Wilson a Twain e a Steinbeck. Gostos e estética também são assim – subjectivos e preconceituosos.
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