SONETO DO ENVELHECER
Cabelos vão no pente e no dentista os dentes
como eles um a um se vão sumindo todos.
Os ombros e a barriga se descaem flácidos,
as unhas se endurecem como cascos rijos.
No rosto as rugas tecem seu desenho absurdo,
Destruindo algum sinal de juvenil imagem
os óculos se engrossam e nos ouvidos surdos
as vozes se confundem e os ruídos nelas.
Andando os pés e as pernas tornam-se inseguros,
tal como as mãos incertas e como eles frias.
A voz é um cristal sujo. E dentro da cabeça
memória e pensamento não se ligam mais.
Mesmo o mijar se torna um interrompido acto
tal as ideis soltas que se esquecem bruscas.
[1970]
Jorge de Sena, Quarenta Anos de Servidão (1974)
SONNET ON AGING
Your hair comes away with your comb, and
at the dentist’s—one after the other—your
teeth just vanish. Your belly sags, shoulders
droop, and all your nails harden into shells.
Your face wrinkles itself into an absurd
design, effacing the vestiges of any youthful
appearance. Your glasses grow thick, and in
your deafness voices buzz into confusion.
When you walk, your legs and feet are insecure,
and, like your uncertain hands, grow cold. Your
voice a sooty crystal. Inside your head thinking
and memory no longer mesh. Even pissing turns
suddenly into an act interruptus, much like those
thoughts at random which so abruptly disappear.