Pedra de Toque
«José,ou uma história de vivências e mundividências»
Lélia Pereira da Silva Nunes
“Todo o homem é a soma do seu passado”
William Faulkner
A página virgem do documento Word repousava na tela em frente enquanto eu, indecisa, hesitava em iniciar este artigo sem transformá-lo numa peça laudatória. Começo fazendo referência à biografia do cidadão com “hífen”? Falo do seu percurso escolar em São Miguel e nos Estados Unidos? Faço um simples registro formal para justificar a finalidade? Não, isso não combina com meu jeito de ser ou de escrever e que o leitor aos poucos vai conhecendo e identificando…
«Portuguese Community Service Award», PFSA – é o nome de uma sociedade de benefícios, socorros mútuos, sem fins lucrativos, resultante da fusão de várias associações comunitárias e de cariz beneficiente – a União Portuguesa do Estado da Califórnia (UPEC) fundada em 1880; a Irmandade do Divino Espírito Santo (IDES), em 1887; a Sociedade do Espírito Santo (SES), em 1896; e da Sociedade Madeirense, também dos anos oitocentos. Com sede na cidade de São Leandro, Califórnia, a PFSA «Fraternal Society of America», anualmente, atribui um Prêmio a pessoas ou entidades da comunidade portuguesa que se tenham distinguido ou alcançaram um patamar de excelência na promoção e preservação da cultura e tradições portuguesas na Califórnia. O prêmio, que consta de uma honrosa placa e a oferta de uma quantia em dinheiro, para uma causa de benemerência pelo agraciado, é entregue durante a convenção anual daquela egrégia associação.
Pois, como no mundo açoriano tudo se sabe e todos se conhecem, amigos açorianos que vivem na Califórnia me contaram que no Domingo passado, dia 11 de Novembro, na cidade de Modesto, o senhor José do Couto Rodrigues foi distinguido com a atribuição do significativo Prêmio”Community Service”, ano 2012, pelos quarenta e nove anos de intensa atividade comunitária, sobretudo como presidente da Editora Portuguese Heritage Publications of California nos últimos 10 anos. Sob a sua liderança, a conceituada Editora publicou cerca de vinte títulos, vários deles edições especiais, destinadas a salvaguardar e divulgar a história da presença portuguesa na Califórnia, verdadeiros registros documentais, não deixando a menor dúvida de que a sua trajetória por terras da abundância foi norteada pela grande força de vontade e iluminada por sua fé. Para alargar o que acima foi dito, acrescento que está previsto para dezembro próximo o lançamento da última publicação da Portuguese Heritage. Trata-se do livro de sua co-autoria intitulado Power of the Spirit, a história das igrejas fundadas pelos portugueses, das muitas paróquias sob sua liderança e ainda uma coletânea de resenhas biográficas sobre a vida de membros do clero português a serviço da comunidade ao longo dos seus 150 anos.
Naquela manhã de Domingo, os amigos e familiares de José do Couto Rodrigues prestigiaram a solenidade de premiação num ambiente de júbilo e emoção compartilhada. “ Foi um momento que nos encheu de alegria e orgulho pela dedicação deste homem às causas que mais distinguem as vivências de todos nós,” comentou a poeta Maria das Dores Beirão, terceirense a viver em Napa, Ca.
Tudo isso fez ressaltar da memória o dia em que cheguei a San José, depois de uma longa viagem desde Florianópolis, de me submeter a uma sabatina da American Airlines, ainda em solo brasileiro, e a uma revista completa e intimidante no aeroporto de Dallas que quase me fez perder a conexão para a Califórnia. Era 22 de Junho de 2010. Estava ali para participar do IV Congresso Internacional do Espírito Santo – o encontro de comunidades da diáspora portuguesa em torno de uma celebração que é, sem dúvida, o grande símbolo da identidade cultural açoriana. Recebida com fidalguia pelos coordenadores do Congresso, sendo um deles o “Senhor José” que, desde a primeira hora, me recebeu como gente da casa e num passe de mágica esqueci todo o cansaço da viagem,tamanha foi a simpatia e a acolhida.
Aquela impressão de bem estar acompanharia os dias seguintes e a presença do senhor José se fazia sentir no desenrolar da programação do Congresso, mas sempre resguardada de uma postura elegante, atenta, generosa e firme. Dedicação e desprendimento, dois adjetivos que bem o caracterizam e que agora ao ser reverenciado pela comunidade “LUSAlândia” da Califórnia, que Onésimo T. Almeida tão bem definiu como parte de dois povos, de duas civilizações, de duas maneiras de estar no mundo ou ainda: na LUSAlândia a gente reveste de americano um corpo incarnado em português (in:O Peso do Hífen.Ensaios sobre a experiência luso-americana,2010:34-35) e que muito me delicia, faz emergir recordações dessa breve visita a California dream.
Afinal, fiquei sabendo que José do Couto Rodrigues era um emigrante com milhares de horas dedicadas ao trabalho voluntário em inúmeras associações culturais e beneficentes de expressiva importância para o desenvolvimento das comunidades portuguesas daquele estado americano que tem na sua história a forte presença do emigrante açoriano.
Nascido na Ilha de São Miguel, na freguesia da Lomba da Maia, situada na costa norte, pertencente ao Concelho da Ribeira Grande e considerada uma das melhores áreas de produção leiteira. Cursou até o sexto ano do Liceu Nacional Antero de Quental em Ponta Delgada e, com 19 anos, emigrou para a Califórnia percorrendo o difícil caminho de todo o emigrante que cedo é apartado da família para correr atrás da sua estrela guia, do seu amanhã. Na bagagem, toda uma história de vivências e mundividências. “Naqueles anos os mais pequenos eventos tinham um significado enorme nas nossas vidas: a festa da padroeira da freguesia, a matança do porco, a passagem dos romeiros pela Páscoa, o bailinho no terreiro pela festa de São João, as vindimas…”, memória mítica de um tempo findo, arquivos de um passado não tão distante, abertos e partilhados com simplicidade. Deixou para trás a singela freguesia que se esgueira na alongada elevação, debruçando-se sobre o Atlântico Norte. Uma paisagem magnífica que alinda o olhar a cada regresso, desde a praia da Viola com seus antigos moinhos de água, e embala a saudade da terra de pertença. Certo estava William Faulkner ao dizer que “todo o homem é a soma do seu passado”.
Nos Estados Unidos, o filho do senhor José e da dona Albina Bento Rodrigues, completou sua formação educacional, os cursos de Bacharelato em Marketing e Master of Business Administration MBA na Universidade Estadual de San Francisco (SFSU). Construiu na Califórnia sua vida familiar e profissional de sucesso, desde 1963, trabalhando na defesa e na promoção social do emigrante na terra de acolhimento, na preservação e difusão dos valores e tradições culturais de Portugal, dos Açores – seu mundo Ilha – “ Não devemos continuar a pensar que nascemos num arquipélago. Somos é de uma ilha com nove nomes,” recomenda sabiamente o escritor Daniel de Sá.
Aos 68 anos, José do Couto Rodrigues é um cidadão atuante, sempre à frente, numa liderança inegável em dezenas de atividades comunitárias. Um amigo leal, um ser humano admirável, merecedor de todas as homenagens como o Prêmio”Community Service” que acaba de receber na Califórnia – a sua terra de adoção.
Assim, faço das palavras o aplauso e o meu reconhecimento ao senhor José Rodrigues comungando da mesma alegria pelo Prêmio outorgado a este açoriano que traz a alma no olhar e no coração o torrão natal, a Ilha Verde, abençoada pelo Arcanjo Miguel, como milhares de outros ilhéus que, por onde vão, carregam a sua ilha dentro de si para sempre.
_______________________________________