Lélia Nunes: o coração tamanho da ilha!
Estar com Lélia Nunes, a Açoriana mais brasileira que conheço, é ter a alegria dum abraço sem tempo e sem modo na conjugação do verbo gostar. E foi isto que aconteceu, na passada quinta-feira. Lélia Nunes, que esteve na Póvoa do Varzim para apresentar o livro Onésimo, Único e Multímodo, coordenado por João Maurício Brás, não quis fazer a viagem de regresso a Santa Catarina, no Brasil, sem primeiro dar um salto de três dias, a São Miguel, sem nada na agenda que não fosse rever amigos e beber o ar da ilha.
À sua chegada, tocou o telefone, e eu a pensar deixá-la descansar, para mais tarde falarmos: que nada, tu não me conheces. Cheguei há pouco e já estou a andar aqui em Ponta Delgada, sem destino só para rever a cidade. Ela mesma, assim, com uma força e determinação que faz com ao seu lado tudo aconteça num imprevisto cativante e inesquecível.
Encontro marcado, Livraria Solmar, a catedral das Letras na baixa da cidade e o Pedro Monteiro, do Correio dos Açores, ali pronto para guardar o momento em foto, para posteriores recordações.
Depois, com o mar ali mesmo em frente, foi a conversa de matar saudades e de falar de muitas coisas, mas essencialmente daquilo que mais nos une: os livros, os escritores, de um modo especial os Açorianos ou que têm os Açores no coração, estejam em que parte do mundo estiverem. Daqui a pouco, Vamberto Freitas, e depois, Urbano Bettencourt. Ali numa pequena mesa de uma esplanada, na Avenida litoral, quatro ilhas num cantinho de afectos: Santa Catarina, Pico, Terceira e São Miguel.
Lélia Nunes falou-me da apresentação do livro sobre Onésimo. Mas isto ficará para outra ocasião. Ela coloca uma tão grande dose de entusiasmo quando fala deste e doutros nossos escritores que parece o desfiar de um rosário de memórias que nos criam vontade de sempre ouvir mais.
Por isso hoje, para estas Leituras do Atlântico, não trago nenhum livro, mas alguém que está dentro de muitos livros. Podia ter feito uma entrevista, mas não quis. Aos Amigos não se pedem entrevistas, transmitem-se emoções. Para os eventuais leitores desta página deixo aqui apenas alguns traços sobre quem é Lélia Nunes, que há 20 anos, num Congresso, na cidade da Horta, numa das suas intervenções sobre açorianidade, afirmava solenemente: eu também sou açoriana, mas uma açoriana de 250 anos, a que Onésimo respondeu, lá do fundo da sala com aquele olhe que está muito bem conservada que deu origem ao conhecimento e amizade entre os dois Professores e escritores que ainda agora se mantém.
Nasceu em Tubarão, vive em Florianópolis, Ilha de Santa Catarina. Socióloga, Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, aposentada. Titular do Conselho Estadual de Cultura actuando nas Câmaras de Letras e Património Cultural. Pertence à Academia Catarinense de Letras. É investigadora do Património Cultural Imaterial (experts/UNESCO,Mercosul), escritora e, sobretudo, uma apaixonada pelos Açores.
Dos muitos livros que tem escrito, destaco os Caminhos do Divino e Na Esquina das Ilhas, duas obras de referência em que os Açores estão no centro das preocupações de Lélia Pereira da Silva Nunes.
Já escrevi e repito: Lélia Nunes surpreende (ou não surpreende) a cada página que escreve. Ela está na ilha de cá, quando escreve na ilha de lá, de tal forma que as ilhas se misturam num rodopio de cor e de festa, de espírito e de vida, só próprios de quem não vê a ilha de cá nem a ilha de lá, mas se sente dentro da ilha ou a ilha dentro de si!
Daniel de Sá escreveu no Prefácio do Na Esquina das Ilhas que olhando desta Esquina, podem avistar-se pessoas, tradições e sítios que se assemelham nas diferentes ilhas desta viagem. Lélia Nunes, que ciranda de umas para as outras com a liberdade de uma andorinha-do mar (que aqui se diz garajau), teceu uma belíssima manta de retalhos… e uniu-os com o fio do sentimento e a manta ficou capaz de aquecer a nostalgia de querer ser ilhéu noutro lado.
Toda esta emoção, toda esta fonte de conhecimento expande-se com uma naturalidade que faz de cada encontro com Lélia Nunes uma aula carinhosa, recheada de ensinamentos, um dos quais, talvez o mais importante seja o de que quanto mais amarmos o nosso cantinho mais conhecemos o mundo todo. Quando falo com pessoas como Lélia ou Onésimo, sinto-me viajante deste mundo sem nunca daqui sair.
E ao ouvi-los conversar, Lélia, Vamberto e Urbano, sinto-me privilegiado só em ser ouvinte, como se o simples correr de água fresca me matasse a sede que sempre tenho de aprender.
Afinal, uma ilha é sempre uma ilha e é o mar que tempera a história de lá e de cá!
Obrigado, Lélia Nunes, por mais este encontro, por mais este abraço com sabor a regresso anunciado. Para breve!
Santos Narciso