Lenda das modas
De cachiné domingueiro
e chinela de verniz,
a Charamba aventureira,
ao decidir embarcar,
quase nem olhou p’ra trás
querendo ser a primeira.
Mas quando chegou ao cais,
San Macaio alvoroçado
já se havia feito ao mar.
Ia partir e, com ele,
trajando roxo, a Saudade,
sua fiel companheira.
Apressada,
descuidada,
de vestido cor de rosa,
suas galochas bordadas
e sua saca de chita,
veio logo a Doce Esperança
prometer-lhes companhia.
Mas má viagem tiveram!
A Saudade lamentava
a ausência e a distância
que o mar imenso alargava
entre ela e o cais, a ilha
que já perdera de vista.
A Doce Esperança falava
de um futuro melhor
e, quem sabe, de um regresso
que talvez já não tardasse.
A chegada foi dorida!
Sentiram falta do mar
e das noites estreladas,
do sossego e pequenez,
escassez das coisas da ilha.
Mas a Saudade convida
o Pèzinho e a Bela Aurora,
Chamarrita e Olhos Pretos
a Lira e a Sapateia.
Mal chegara,
a Chamarrita gaiteira
trocara a galocha pelo sapato
o trabalho pela folia
e decidira bailar a vida inteira.
E a coquete Bela Aurora
passava horas sem fim
penteando os seus cabelos
com seu pente de marfim.
Os Olhos Pretos tornaram-se
vaidosos e lisonjeiros
por tão raros se sentirem
entre os nativos azuis
e os castanhos estrangeiros.
Romântico e sonhador
o Meu Bem
depressa se esqueceu da sua amada,
que lá continua à espera
de duas linhas, coitada.
A Lira não disse nada,
a ninguém mandou recado
que da ilha tinha partido.
Ate correu o boato
que a Lira tinha morrido.
A Sapateia, louvado!
Foi a última a chegar.
Com medo da despedida,
partiu sem avisar.
Agora, de novo unidas,
as Modas sentem-se bem.
Não esqueceram as asas
do imaginário Açor
dos velhos contos ilhéus,
mas aprenderam a amar
o potente voo da águia
de outros céus.
Não esqueceram as hortênsias
que bordam as suas ilhas,
mas colhem com ternura
as papoilas douradas
que matizam os campos
da sua aventura.
Maria das Dores Beirão, Beijo da Abelha,
Portuguese Heritage Publications, San Jose, California, s/d
Maria das Dores Beirão (1940) professora, animadora cultural, nasceu na freguesia de S. Bento, ilha Terceira. Emigrante, reside e trabalha em Napa, Califórnia, Estado Unidos da América.
Olegário Paz
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Foto de Miguel Ávila,Tribuna Portuguesa,Ca.