Leveza certeira
e gostosa
Quando um dia chamei à crônica um ensaio em mangas de camisa, ainda não tinha lido as crônicas do Sérgio da Costa Ramos.
Ao encontrar-me mais tarde com elas, pensei: vão dizer que foi nele que bebi a inspiração para definir assim esse tipo de texto. Na verdade, nalguns casos são até mais do que ensaio. Quem, por exemplo, depara com uma tirada do tipo:Dinheiro público é mais do que vendaval – é furacão. E, sendo público, não tem dono, é de quem chegar primeiro, apercebe-se logo de que o cronista não escreveu apenas um ensaio, fez antes um tratado. Até o leitor dirá para consigo: este cronista é um tratante! Querendo dizer alguém que trata tudo com a intimidade do tu. Sérgio da Costa Ramos cita Hemingway para o naturalizar santacatarinense e demonstrar que “a festa ainda vive”; vai pescar Fellini para o plantar em Floripa; evoca Pancetti, para escrever que “a beleza da Ilha é mansa como uma marinha”, das que o pintor celebrizou. Nada, nenhum nome da cultura erudita flutua nestas crônicas à deriva; tem sempre a ver com a terra, com o cotidiano, com o real vivido e pensado. E a língua, que o autor trata também “tu-cá-tu-lá”, torna-se escrava nas suas mãos permitindo-lhe dizer quanto lhe apraz.
Ou melhor: fazendo outros dizerem-no, porque Sérgio da Costa Ramos manuseia com mestria a arte de se outrar.Quase sempre inventa gente para dizer por ele porque, na bela tradição do seu vizinho e meu senhor Luís Fernando Veríssimo (a quem dedica uma de suas crônicas) prefere ser ventríloquo, evitando assim o tom moralizante do sermão padreca. Deixa que sejam as personagens a emitirem os seus juízos.
E a verdade é que o fazem com tanta arte, tanta graça, tanta leveza certeira e gostosa que a gente lê e exclama: isto é que são mesmo molecagens vernáculas!
Onésimo Teotônio Almeida
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Açoriano, escritor, professor de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University, EUA.