LOTTE & ZWEIG – tempus fugit
Devemos ao escritor Zweig a alcunha de “País do Futuro”. A marca que identificaria o Brasil como uma tatuagem impressa na alma verde amarela. Publicado, em Agosto de 1941, Brasil,País do Futuro, pinta um retrato do País com paixão e otimismo sobre o que seríamos na visão de seu alargado olhar alienígena. O livro sai em seis idiomas e em sete edições. Em pouco tempo, torna-se um clássico da literatura contemporânea. Fruto de intensa pesquisa,surpreende pela riqueza dos temas, pela agudeza visual de Zweig no minucioso registro de suas impressões sobre o que vê, ouve e sente nas suas andanças e mundividências. Lança um olhar sobre a história, economía e cultura antes de adentrar por um Brasil que conheceu e muito amou: a cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo; as cidades históricas de Minas Gerais; Salvador da Bahia e seu misticismo; o Brasil da Amazônia. Deixa patenteado o seu lamento por não ter conhecido mais e mais do Brasil, como a vida dos sertanejos nordestinos, os gaúchos e a imensidão dos pampas, e as colônias alemães de Santa Catarina com suas tradições e língua cultuadas e preservadas desde 1829. O que se descobre nas páginas de Brasil, País do Futuro é um otimismo onipresente de um registro documental valioso e de uma crônica agradável no fluir, descrevendo impressões do País pelo qual se enamorou rendido à hospitalidade brasileira,aos costumes e ao exotismo do nosso povo.
Brasil, País do Futuro, sofreu duras críticas por seu ufanismo vívido e ingênuo e Zweig foi acusado de ser simpatizante de Getúlio Vargas e do Estado Novo (1937-1945).
Renomado escritor foi um dos autores mais lidos do mundo no período de 1920 até sua morte em 1942 em inúmeras obras como “Carta de uma Desconhecida” (1922),“Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher”(1927),O Mundo Que Eu Vi (Die Welt von Gestern,1942) autobiografia concluída no Brasil e contextualizada nos fatos históricos que marcaram sua vida – o Império Austro-Húngaro e a Primeira e Segunda Grandes Guerras; a extraordinária biografia de Maria Antonieta.Retrato de uma mulher comum (1932).
Austríaco, filho de um rico industrial judeu, Zweig estudou Filosofia na Universidade de Viena, e em 1904 obteve seu doutorado com tese sobre “A Filosofia de Hippolyte Taine” (1828-1893). Foi casado com a escritora Friderike Maria von Winternitz. Divorciado,casa-se com sua secretária, Charlotte Elisabeth Altmann (Lotte), em 1939. Pacifista, humanista, sonhava com a unificação européia. Opositor de Hitler, foge da polícia nazista em 1934 exilando-se na Inglaterra e, anos depois, viaja para o Brasil refugiando-se em Petrópolis,na serra fluminense, com sua Lotte. Na madrugada de 22 para 23 de Fevereiro de 1942, dias após o Carnaval, o escritor Zweig e sua mulher Lotte fizeram a sua última viagem cometendo o suicidío por envenenamento.
Stefan Zweig e sua mulher, Charlotte, nunca tiveram suas mortes esclarecidas. Suicidaram-se? Ou, foram suicidados? Tanto um ato quanto o outro é crime. Por que não foram devidamente periciados ou pronunciados? Esta é uma explicação mal dada, que caiu no vazio, enquanto o tempo alçava voos por espaços infinitos.
Setenta anos depois do intrigante e questionado duplo suicídio, o escritor catarinense, Deonísio da Silva, publica o romance LOTTE & ZWEIG (2012:Leya) e, com talento e sensibilidade, recupera os últimos dias do casal a partir de cartas escritas por Charlotte Elizabeth. Reconstitui uma história conhecida que se mistura de forma brilhante com a narrativa ficcional, sob a pena do artifíce da palavra. Constrói um perfil delicado e corajoso da Lotte, dando-lhe voz e ares de heroína. Conta uma história subjacente, clandestina e romanceada do que aconteceu nos instantes derradeiros de Zweig e Lotte, sob o ponto de vista dela. Deonísio, um inegável contador de histórias, conduz com mestria, seduz o leitor na urdidura de sua trama gerando uma ansiedade crescente para o desfecho de sua narrativa. Assim foi no seu livro de estréia Exposição de Motivos (1976) ou no premiadíssimo Avante,soldados:para trás (1992). Sua escrita límpida e rica, no bailado das palavras, vai construindo histórias e ao mesmo tempo que desconstrói conceitos, opiniões sacramentadas por vias paralelas da tradição ou do ranço conservador da sociedade, na sua fantasia do faz de conta.
Deonísio da Silva, este escritor, professor, filólogo, doutor em Letras pela USP, Vice-Reitor de Extensão da Universidade de Estácio de Sá e autor de 34 livros surpreende o seu leitor com a saída do romance Lotte & Zweig (Prêmio de melhor romance de 2012 da Academia Catarinense de Letras) pela forma perpicaz e vibrante da narrativa, fazendo emergir, lá do fundo da memória, fatos que jaziam adormecidos. A breve passagem de Zweig pelo Brasil, a sua mal explicada morte é apresentada num enredo provocativo, cheio de hipóteses e questionamentos sobre a funesta noite e, principalmente, dando visibilidade à Lotte, aquela mulher culta, frágil, sofrida e apaixonada pelo seu homem. Afinal, morreu abraçada ao cadáver do marido. Uma imagem tocante, que percorreu o mundo e que ilustra a capa do livro na arte de Arlinda Volpato.
Deonísio,intisica da primeira a última página com sua história híbrida. Inquieta-nos: Tem um mistério que permanece. Duplo suicídio? Duplo assassinato? Só Zweig foi eliminado? A morte de Lotte não poderia ter sido um acidente? O que teria acontecido naquela noite sem testemunhas?
Deonísio dá voz ao Zweig que extravasa os sentimentos de serenidade conformada e de angústia pelo final que se anuncia. Lotte dorme, escuta-se a ruidosa respiração da mulher, o ronronar da asma que arrebenta o peito e quebra o silêncio da noite. Os nazistas perambulam na noite serrana, tal qual o leão baio atrás de suas presas farejando a morte. Queriam matar Zweig? O contexto político da época até justificaria, porém a “Declaração” de Zweig conduz ao suicídio. A não ser pela carta de Zweig, nada mais foi deixado. Nem, a Lotte escreveu um bilhete de despedida.
Para arrematar fica a posição do escritor Deonísio da Silva que pende para um homicídio forjado: “O fato de não autorizarem a autópsia dos corpos e a recusa do Presidente Getúlio Vargas de não entregar os corpos para fazerem o sepultamento num cemitério israelista é indício contrário.”
Resta-nos a incerteza ou o benefício da dúvida. Se Stefan Zweig sabia tão bem amar, se deitou um olhar intenso, lavado de paixão sobre o paraíso que escolheu viver, como poderia matar o seu Amanhã?
Só o tempo revelará. Tempus fugit.
Lélia Pereira da Silva Nunes
Nota: Lotte& Zweig de autoria do escritor brasileiro Deonísio da Siva – será lançado brevemente em Roma (Itália) e New York (EUA)