O 2.º Encontro Internacional da Imprensa não Diária realizou-se nas Furnas (Ilha de S. Miguel), de 26 a 28 de Setembro. E decidiu reconhecer publicamente o trabalho em prol da cultura açoriana desenvolvido por personalidades como Valdemar Mota, Eduíno de Jesus e Luiz António de Assis Brasil. Lá do seu distante Rio Grande do Sul, enviou-me o Assis Brasil um e-mail meio constrangido, com o pedido de um favor e desculpas pelo incómodo: se eu podia ir às Furnas receber o Prémio que lhe fora atribuído. E lá estive na sessão de encerramento do Encontro, incomodado apenas pelo facto de não ter podido participado nos dois dias de trabalho.
Já não é a primeira vez que desempenho um papel destes e faço-o sempre com indesmentível satisfação. Porque há aquelas almas que vêem aqui ou acolá uma foto do acontecimento, mas dado que têm horror às legendas acabam por vir dar-me os parabéns… E como não confessar que, no fundo, vou alimentando a secreta esperança de, um dia, vir a receber um Prémio que seja mesmo só meu, como o quarto da Virgínia Woolf ? As ilusões também ajudam a viver, dizia a frase que li num livrinho de cowboys, nos matos da Guiné, há trinta e tal anos. Mas desta vez havia razões acrescidas para me sentir honrado com este acto público de mediação. Afinal, e sem o suspeitarmos, Assis Brasil é meu vizinho das ilhas do Grupo Central por via dos seus remotos ascendentes açorianos. Além disso, é sempre gratificante estar, mesmo fugazmente e de forma ilusória, na pele de um autor reconhecido no Brasil e no exterior, com cerca de duas dezenas romances e que tem no seu inventário de reconhecimento troféus como o Prémio Machado de Assis 2001, Biblioteca Nacional, concedido a O pintor de retratos, o Prémio Portugal Telecom 2004, atribuído a A margem imóvel do rio, e o Prémio Copa de Literatura Brasileira 2007, pelo seu livro Música Perdida (os belíssimos romances da trilogia Visitantes do Sul, o Sul que para os gaúchos não é apenas um ponto cardeal, é também o Outrora, como escreve Assis Brasil no seu mais recente livro, Ensaios íntimos e imperfeitos). E omito outros prémios não porque sejam de menor relevo, mas porque a sua lista é tão extensa como a das obras, o que um leitor curioso facilmente constatará se consultar o site oficial do escritor (http://www.laab.com.br).
Alguns dos romances de Assis Brasil foram já adaptados ao cinema, entre eles Um quarto de légua em quadro, de 1976, (com o título Diário de um mundo novo), que marcou o início da carreira do escritor; nele se ficciona o percurso e o destino de alguns "cazaes das ilhas" que no século XVIII deixaram os Açores, fugindo à fome e às más condições de vida e levados (literal e metaforicamente) pelas promessas e pela política do Reino.
Um quarto de légua em quadro constituía uma espécie de retorno afectivo e histórico às origens. Esta ideia de retorno aparecerá explicitamente sobre a capa de um livro de 2003: Escritos açorianos: a viagem de retorno – tópicos acerca da narrativa açoriana pós-25 de Abril. O título é suficientemente claro sobre a matéria versada, embora o autor inclua também recensões críticas a algum ensaísmo literário e cultural açoriano. O livro testemunha, por um lado, o trabalho de investigador e de professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde dinamiza um núcleo de estudos açorianos e onde tem orientado dissertações de mestrado e de doutoramento na área da literatura açoriana. Por outro lado, atesta ainda o papel de divulgador que Assis Brasil tem desempenhado, no Brasil, em Portugal, nos Açores, em revistas da especialidade, na imprensa generalista e na imprensa cultural, quando a havia por cá. Por tudo isto, e após este tempo de presença escrita, Assis Brasil pode hoje ser considerado um dos de cá,
– mesmo estando lá, à distância, coisa que traz sempre vantagens inegáveis, a nível de olhar e perspectiva, entre muitas outras.
(Outubro de 2008)
(*) Detalhe do Cartaz do Documentário O Códice e o Cinzel de Douglas Machado