A LIBERDADE
Oh! Luz que vens surgindo! Santa Aurora
De Justiça e d’amor, que já nesta hora
Inda vens n’alvorada,
E és como Deus e o Sol, que alegram tudo!
A ti levanto as mãos, e eu te saudo
Da sombra do meu nada.
[…]
Não valem contra ti nem fogo nem ferro,
O duro exilio, as maguas do desterro,
E as sombras da cadeia;
Para todos ficou por demonstrado,
Que dos sangues dos bravos derramado
Surgiu a tua ideia!
Não há sombra, por mais caliginosa,
Que a acção da luz brilhante e vigorosa
Não rompa e não desfaça:
Nem muralhas, que opponham resistencia
Ao mar, que é livre, ao mar, cuja potencia,
Embate, ruge e passa.
Era mais fácil ver, nesse horisonte,
O sol nascente declinar a fronte
Ante a noite sombria,
Do que hoje vêr a luz da tua aurora,
Ante a face da Europa pensadora,
Ceder à tyrannia.
Ninguém resiste ao teu poder divino!
E a marcha, que já leva o teu destino,
A confessar me incita,
Que embora sobrevenham mil azares
Hasde tomar assento em nossos lares,
Oh divina! proscripta!
E tu, que nos annais de tantas glorias,
Nos sorris como a Deusa das victorias,
Ah! sê, sê tu bem vinda,
Para enfim estalar no mundo inteiro
Os ultimos grilhões do captiveiro,
Que nos opprime ainda!
Manuel d’Arriaga, in Miscellania litterária, BNP, Lisboa, (s/d).