Por essa estrada do tempo tenho encontrado pessoas especiais com quem tenho partilhado vivências e experiências, trocado idéias, histórias. Um aprendizado longo, primoroso em forma de diálogo plural, fraterno, vai se estabelecendo respeitando as nossas diferenças culturais, o nosso jeito de ser e pensar, mas com a franqueza que deve ter uma interação social de fato e de direito.
Gente que chegou pelo mundo virtual, dando a se conhecer, numa continua troca de e-mails. Sobretudo, porque o virtual da tecnologia coloca-nos cara a cara com outras realidades e, como gosto de enfatizar com certa frequência, num simples toque da tecla enter deleta-se a distância e aproxima-se geografias, tudo em tempo real, pondo em marcha um novo processo de socialização, um fenômeno cultural que não podemos ignorar e que chega com a sociedade digital, criando novas formas de interação social e de comunicação.
Ao abrir a caixa do correio eletrônico fui surpreendida por um artigo afetuoso e cheio de saudade, enviado por mão amiga, de autoria de uma mulher açoriana que vive na cidade de Uberaba, Minas Gerais, no sudeste brasileiro. Um pequeno conto, intitulado “Páginas da vida de um emigrante”, onde cada palavra parida expressa o amor imenso por um pai emigrante e as suas lutas para que a família sobrevivesse com dignidade.
Cada parágrafo relata a trajetória de uma família que a vida, muitas vezes madrasta, ensinou a ser forte na superação e grata nas vitórias. Com coragem e determinação escrevera sua história no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, amando e adotando-a como sua, sem deixar para trás o amor por sua terra natal – a Ilha do Faial.
Foi assim que, em janeiro de 2007, conheci Maria Eduarda Fagundes a carioca que emigrou do Faial: “Lélia, nasci no Faial, na freguesia da Conceição, que conheceste com certeza. Lá vivi até os 8 para 9 anos de idade, quando meus pais vieram para o Brasil. No Rio de Janeiro, nos instalamos e passei minha juventude. Cursei a Faculdade Federal de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, hoje UNIRIO. Especializei-me em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital dos Servidores do Estado.(…) Naturalizei-me brasileira e trabalhei em vários hospitais do Rio. Casei-me com um mineiro, colega, cirurgião vascular.(…)Após o nascimento de nossos filhos (dois), resolvemos mudar para o interior de Minas Gerais (terra do meu marido) e cá estamos há 29 anos.”
Desta mensagem primeira nasceu a amizade virtual e real. Uma amizade que tem como fio condutor a nossa paixão pelos Açores.
Maria Eduarda além de médica é ensaísta e boa contadora de histórias, principalmente as que têm como enredo e cenário o Faial e o Pico. Sua crônica de família é uma delícia, apresenta uma narrativa que flui suave que emociona, brinca matreira com as palavras para lá diante desaguar em sentimentos de saudade de um passado que ainda está muito presente na sua memória, guardado no coração, marcado na alma, um tesouro protegido entre lágrimas e sorrisos.
O artigo “Páginas da vida de um imigrante” não se tratava de uma ficção e sim da verdadeira história do emigrante Carlos Avelar Fagundes, que em janeiro de 1954 embarcou no paquete Luis Lumière deixando para trás a mulher Maria Adelina e duas filhas menores: Maria Eduarda e Adelina Maria. Personalidade curiosa, inquieta, aventureira que correu atrás dos sonhos e do desejo de conhecer o mundo que estava além do horizonte de suas Ilhas Atlânticas.
No Brasil, o aguardava uma vida de sacrifício e muito trabalho. No Faial, Maria Adelina, sua jovem esposa, esperava o chamado para atravessar o Atlântico junto com as filhas. No fundo, não queria ir. Sofria por deixar a sua gente, a freguesia da Conceição, na Ilha do Faial. Assombrava o medo do desconhecido, de ir viver num País tão grande como o Brasil e tão diferente do seu mundo insular.
A família só voltaria a se reunir no verão de 1955 na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, a então bela capital do Brasil.
Uma adaptação difícil ao clima e as costumes brasileiros. Sentiam falta da sua ilha, dos frutos, das flores, dos peixes, do cheiro do mar dos Açores, da sua gente. Nas veias corriam lavas de saudade. No entanto, o Brasil era o novo mundo, o futuro desta família açoriana que dia a dia conquistou seu espaço na margem de cá. Realizaram sonhos, construíram suas vidas e aprenderam a amar a terra que recebeu as sementes e produziu os frutos de uma nova geração de açorianos brasileiros.
É este sentimento de saudade da terra que ficou para trás e de grande amor ao Brasil que Maria Eduarda deixa navegar a sua escrita por este Mar de Memórias sem fim.
Florianópolis, Ilha de Santa Catarina.
Imagens:Maria Eduarda Fagundes