Mar português
Olhando o mar espelhado da Baía Sul veio-me logo a lembrança do “Mar Português” do grande Pessoa, com os versos imortais que contam a tocante história das mães que “choraram pelos filhos e que por eles em vão rezaram”.
Mas o poeta “toma partido” e argumenta em favor do mar:
[“Deus ao mar o perigo e o abismo deu/Mas nele é que espelhou o Céu…”]
Então, bem no meio do poema, lança a pergunta e a resposta que se transformariam em lírica filosofia:
– [Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena].
O mar espelhado das baías da Ilha de Santa Catarina comove os corações marinheiros. Nosso manso mar que abraça a Ilha não é, definitivamente, o mar zangado da Bíblia. É o mar tranquilo do marinheiro-prosador Virgílio Várzea, o mar dos poetas Shelley e Byron, símbolo da dinâmica da vida. Tudo sai do mar e tudo a ele retorna. É o lugar onde nasceu a vida, a evolução, até a espécie humana. Mas parece que ao “nosso” mar falta o dinamismo dos mares rendilhados por marinas – ou trapiches, como queiram – espécie de “escada de embarque” pela qual o homem se põe ao largo da líquida via, para conviver com o Mundo. Mares como os velhos Mediterrâneo e Egeu, míticas “avenidas” do homem desde a mais remota antiguidade.
Faço essa digressão sobre o mar para assinalar que há um flagrante descompasso entre a relação “pessoas/automóveis” e “pessoas/barcos” nesta Ilha de 42 praias e nenhuma marina digna de menção. Já somos, proporcionalmente, a segunda cidade brasileira na penosa relação “carro/por habitante”, passando rapidamente da atual marca de “um carro para cada 1,8 morador”, rumo ao delirante “um-por-um”.
E quantos barcos – quantas canoas? – temos “por pessoa” nesta que é uma Ilha, como todas, cercada de mar por todos os lados?
Sérgio da Costa Ramos – Um dos mais renomados cronistas do Sul do Brasil. Assina coluna de crônica no Diário Catarinense.
Pertence a Academia Catarinense de Letras. É ilhéu,nascido em Florianópolis. Seus antepassados são açorianos da Ilha Terceira, raízes recorrentes nas sua bela escrita.
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