and writer: ‘The colonial war affected my writing’"
Atlântico Expresso, August 14, 2017.
Translated into
English by Katharine F. Baker
A retired professor who taught at
the University of the Azores, he devotes particular attention to islander
literature, on which he has given presentations at conferences on Cape Verde,
Madeira, the Canary Islands and the Azores. He has also collaborated on
magazines devoted to this specialty, at home and abroad.
This week we get to know a bit about
the life of educator and writer Urbano Bettencourt, who also served in the
Portuguese military in the African colonial war.
Manuel Urbano Bettencourt Machado,
age 67, was born in Piedade in the Concelho of Lajes on the island of Pico in
1949.
poetry, he has published eleven books: Raiz de mágoa (Setúbal, 1972); Ilhas,
with J. H. Santos Barros (Lisbon, 1976); Marinheiro com residência fixa
(Lisbon, 1980); Naufrágios Inscrições (Ponta Delgada, 1987); Algumas
das Cidades (Angra do Heroísmo, 1995); Lugares sombras e afectos,
illus. Seixas Peixoto (Figueira da Foz, 2005); Santo Amaro Sobre o Mar,
illus. Alberto Péssimo (Arganil, 2005); Antero, illus. Alberto Péssimo
(Arganil, 2006); Que paisagem Apagarás (Ponta Delgada, 2010); África:
frente e verso (Ponta Delgada, 2012); Outros nomes, outras guerras
(Lajes do Pico, 2013).
dealing with the colonial war, our interviewee states that "the war and its
influences are already present in my short 1972 book, published when I was
about to depart for Guinea-Bissau’s marshes. After that, they appear throughout
my books in a general way, in some cases directly and at length, in others more
obliquely and briefly. I would say the war influenced my writing, not always
with deliberate purpose or intent, but as the result of an inner impulse
incapable of being controlled rationally. War, for those who have gone through
it, is the type of wound that Herbert Pagani said is held secret and intimate,
but keeps on bleeding.
assembled all the texts on the war that I had published so far. But in my next
book I included a new poem about the war, about the anguished memory that
bubbles up at the most unexpected moments and in a place as unlikely as Porto."
Bettencourt served in Guinea-Bissau, we urged him to tell a little about his
experiences and what areas he was in.
the Oio region between Encheia and Bissorã – the first seven months in the
company formed at Évora, the remaining seventeen months in a company of
Guinea-Bissau soldiers with whom I learned a lot in the best and worst moments.
But, compared to other young men my age who did their military duty literally
in foxholes along the border zone, I think I was very lucky. But I don’t much
like talking about it outside the confines of writing, where it’s possible to
control things, organize them and give them a distance that allows me some
inner resolution."
that Guinea-Bissau’s war of independence began on January 23, 1963, with the
start of guerrilla actions in the sector of Tite. By then, Portuguese forces
had already been fighting in Angola for almost two years, with relative
success. Changing the subject, when asked to
explain how he defines the dividing line that separates fiction from fact,
Urbano replied, "I don’t know if it’s possible to establish a zone of
separation between the two categories. If all writing is autobiographical, then
it’s also certain that it shuffles, shifts and transfigures the data of
personal experience, so here not everything that seems actually is,
either. There are many factors external to experience itself that trigger a
text by association of ideas, similarity of situations, even the suggestion of
another text. Perhaps my most autobiographical African text is the narrative
titled Noite [Night], which is at the same time the one in which fiction
processes intervened the most."
Urbano encountered a new environment. "My hardships were fundamentally those of
anyone who needs to work in order to survive in a new and unstable situation
like that of August 1974. I spent two months on Pico, then in October I went to
Lisbon. I’d spent two years intellectually deteriorating, and had survived
thanks in large part to the books and newspapers that my friend José Henrique
Santos Barros would send me, but I needed to revive myself somewhere. I went to
Lisbon and Setúbal: I worked and studied, I began teaching, and after ten years
I returned to the Azores, specifically to São Miguel."
the Seminary in Angra do Heroísmo, Urbano Bettencourt earned a degree in
Romance Philology ("a major now extinct in Portugal") at the University of
Lisbon. "Later I finished my doctorate at the University of the Azores, while
serving as an instructor there. Earlier I also taught school on the south shore
of the Tagus River on the mainland, and in Ponta Delgada and Lagoa, São Miguel.
But what I found hardest was growing aware of my increasing inner
disenchantment and having to make an effort to overcome it day-to-day. The
education system today is programmed to grind teachers down, to transform them into
bureaucrats in service of educational trends imposed by successive tenants of
the Education Ministry."
opportunity pass to ask Urbano Bettencourt what he does in his spare time, when
he can’t go to Pico. His answer was interesting. "Happily, there’s a great big
world beyond Pico and the Azores. I like music and books, I have my family
life, I like writing, and I enjoy movies, although now I’m reduced to home
viewing because theaters in Ponta Delgada have become wastelands, at least for
those of us who want to see serious films. Now I’ve gone to Pico more often,
but on São Miguel there are other things to explore. And Porto has become one
of my favorite places, from which you can access many other locales."
gratefully acknowledges the assistance of Emanuel Melo, University of Toronto,
in reviewing this translation.
"Urbano Bettencourt: O professor e o
escritor. ‘A guerra’ colonial ‘contaminou a minha escrita’"
de Marco Sousa – Atlântico
Expresso, 14 Agosto 2017
Professor aposentado, leccionou na
Universidade dos Açores. Dedica particular atenção às literaturas insulares,
sobre as quais já proferiu conferências em Cabo Verde, Madeira, Canárias e Açores.
Tem colaboração em revistas da especialidade, no país e no estrangeiro.
pouco da vida de Urbano Bettencourt, o Professor e o escritor, que também
esteve na guerra do Ultramar. Manuel Urbano Bettencourt Machado,
de 67 anos de idade, nasceu na Freguesia da Piedade, no Concelho de Lajes do
Pico em 1949.
publicou os seguintes livros: Raiz de mágoa (Setúbal, 1972); Ilhas
(Lisboa, 1976, de parceria com J. H. Santos Barros); Marinheiro com residência
fixa (Lisboa, 1980); Naufrágios Inscrições (Ponta Delgada, 1987); Algumas
das Cidades (Angra do Heroísmo, 1995); Lugares sombras e afectos
(Figueira da Foz, 2005 com desenhos de Seixas Peixoto); Santo Amaro Sobre o
Mar (Arganil, 2005; com desenhos de Alberto Péssimo); Antero
(Arganil, 2006; com desenhos de Alberto Péssimo); Que paisagem Apagarás
(Ponta Delgada, 2010); África – frente e verso (Ponta Delgada, 2012); Outros
nomes, outras guerras (Lajes do Pico, 2013).
e quais as que versam a guerra colonial, o nosso interlocutor refere que "a
guerra e os seus sinais estão já presentes no meu livrinho de 1972, publicado
quando me encontrava muito perto de embarcar para o pântano guineense. Depois
disso, foram-se disseminando pelos meus livros de um modo geral, nuns casos de
forma directa e extensiva, noutros em moldes mais oblíquos e pontuais. Diria
que a guerra contaminou a minha escrita, nem sempre por um propósito ou intenção
deliberada, mas também como resultado de um impulso interior não susceptível de
ser controlado racionalmente; a guerra, para quem passou por ela, é aquela espécie
de ferida de que fala Herbert Pagani, que se guarda no íntimo e em segredo, mas
que continua a sangrar.
reuni todos os textos sobre a guerra que eu tinha publicado até então, mas no
livro seguinte incluí um novo poema sobre a guerra, sobre aquela memória
angustiada que surge nos momentos mais inesperados e num local tão improvável
como o Porto".
Bettencourt esteve na Guiné, instámo-lo a contar um pouco as suas vivências e
em que zonas esteve. "Andei pelo centro, na região de Oio, entre Encheia e
Bissorã; os primeiros sete meses na companhia formada em Évora, os restantes
dezassete numa companhia de soldados guineenses, com quem aprendi muito, nos
melhores e nos piores momentos. Mas, comparando-me com outros jovens da minha
idade que fizeram a comissão literalmente em buracos na zona de fronteira, acho
que tive muita sorte. Mas disso não gosto muito de falar fora do contexto da
escrita, onde se pode controlar as coisas, organizá-las e dar-lhes aquela distância
que nos permite algum apaziguamento interior".
que a guerra de independência na Guiné começou em 23 de Janeiro de 1963, com o
início das acções de guerrilha na região de Tite. Quando a Guerra começou, em
Janeiro desse ano, havia já quase dois anos que as forças portuguesas
combatiam, com relativo sucesso, em Angola.
explicar como consegue definir o limite que separa a ficção da realidade,
Urbano Bettencourt rematou: "Não sei se é possível estabelecer uma zona de
separação entre os dois campos. Se toda a escrita pode ser autobiográfica, também
é certo que ela baralha, desloca e transfigura os dados da experiência pessoal
e também aqui nem tudo o que parece é; há muitos factores exteriores à própria
experiência que desencadeiam um texto, por associação de ideias, semelhança de
situações, até mesmo a sugestão de um outro texto. Talvez o meu texto africano
mais autobiográfico seja a narrativa intitulada «Noite», que é ao mesmo
tempo aquele em que mais intervieram os procedimentos da ficção".
contexto novo como o de Agosto de 1974, vivenciando algumas dificuldades e
ficou dois meses no Pico antes de rumar a Lisboa. "As dificuldades foram
fundamentalmente as de quem precisava de trabalhar para subsistir, num contexto
novo e instável como o de Agosto de 1974. Estive dois meses no Pico e em
Outubro rumei a Lisboa. Eu tinha passado dois anos a apodrecer, sobrevivera em
boa parte graças aos livros e aos jornais que o meu amigo José Henrique Santos
Barros me enviava, e precisava de ir ressuscitar num lado qualquer. Andei por
Lisboa e Setúbal, trabalhei e estudei, comecei a leccionar e ao fim de dez anos
regressei aos Açores, a S. Miguel".
de Filosofia no Seminário de Angra e a Licenciatura em Filologia Românica, "uma
espécie já extinta em Portugal", na Faculdade de Letras de Lisboa. "Depois
concluí o doutoramento na Universidade, no tempo em que lá fui professor.
Leccionei também em escolas no sul do Tejo, em Ponta Delgada e na Lagoa. O que
(mais) me custou foi constatar o progressivo desencanto interior e ter de
desenvolver um esforço para vencê-lo no dia-a-dia. O sistema de ensino está
hoje programado para um aviltamento dos docentes, para a sua transformação em
burocratas ao serviço de modas educativas lançadas pelos sucessivos inquilinos
do Ministério".
passar a oportunidade de perguntar a Urbano Bettencourt o que faz nos seus
tempos livres, quando não pode ir ao Pico. A resposta foi deveras interessante.
"Há muito mais mundo para lá do Pico e dos Açores, felizmente. Eu gosto de música,
de livros, tenho a minha vida familiar, gosto da escrita, gosto de cinema,
agora reduzido ao visionamento doméstico, pois as salas em Ponta Delgada
tornaram-se lugares infrequentáveis, ao menos para quem pretende ver cinema.
Agora tenho ido com mais frequência ao Pico, mas em S. Miguel há coisas a
descobrir. E o Porto tornou-se um lugar dos meus, donde se pode partir para
muitos outros lugares".