Madalena vem à ceia…mas, não entra.
Quase não acreditei no convite do Onésimo Teotónio Almeida, para estar presente na homenagem ao poeta terceirense Marcolino Candeias, a lembrar da geração que fez furor nos anos de 80 e 90. Até que enfim, chegara a minha vez de comungar da grande Ceia dos “apóstolos das Artes e Letras” que há muito tempo congrega uma malta açoriana da melhor cepa, “de grande convívio humano entre a gente das letras açorianas de dentro e fora do arquipélago”, comenta simpático Onésimo, o mentor da maravilhosa iniciativa. “Tô dentro”, exultei toda prosa. Claro que aceitava botar a palavra na reverência à obra poética e literária do Marcolino Candeias. Nem cogitei se havia gente muito melhor qualificada do que eu para falar do poeta considerado uma das vozes mais importantes do grupo “Geração Glacial”. Ou, do seu jeito doce, elegante e apaixonado de declamar “Aqui não tem sabiá”, dedicado a sua Deka – uma brasileira do Sul, cheia da comunicabilidade tupiniquim que há muito conquistou o seu coração e inspirou versos de imensa ternura e brejeirice.
No balanço gostoso da rede, olho o mar encrespado pelo vento sul a fazer estrepulias com suas rajadas bolinando o mar, enquanto o sol se deita por trás dos cômoros de areia deixando a praia resplandecente de muitos tons de púrpura, magenta, lilás, numa mistura de intensidade cromática e saturação sem igual.
Volto ao passado recente. Janeiro de 2002. Casa dos Açores, Lisboa. Aí conheci o Marcolino o poeta que brinca com as palavras e o homem que, tal qual o nosso vento sul, faz estrepulias a bolinar as novas tecnologias da informação. A sua inteligência, a densidade humana de sua poesia, a sensibilidade de artista e a sua criatividade salta-nos aos olhos, agarra-nos na teia da sedução. Encanta-nos. Entro no espelho da memória, retornando àqueles dias da mais profunda comunhão fraterna. Mergulho nessa geografia de afetos onde bailam centenas de textos, e-mails, fotos e, numa gostosura pegada, encontro a fotomontagem “Felix Et Amici Cena”, impagável leitura da famosa pintura “A Última Ceia”(1497) do gênio renascentista Leonardo Da Vinci, criação do genial Marcolino. Atrevido na sua arte, irreverente e estiloso, deixa transparecer um ar de motejo, o espírito gozador típico do ilhéu. Seus dedos flanam livres ao compor com lirismo telúrico a cena sagrada do cenáculo açoriano num inegável tributo ao poeta Emanuel Félix. Seu olhar arguto se debruça sobre as sutilezas de cada personagem sentada na grande mesa da açorianidade. Doze convivas reunidos em torno do Mestre Emanuel Félix, em íntima comunhão de ideias, de diálogo liberto, frontal, democrático. Identifico-os – a irmandade atlântica de escritores, ícones da literatura e artes açorianas. Merece a eternidade.
É evidente que não faço parte desta Ceia. Eram todos uma “turma machista”. Tal qual a Maria Madalena que não estava sentada ao lado direito de Jesus, também não sentei naquela grande mesa. Fiquei para sempre cheia de inveja e com muita saudade pelo que nunca partilhei.
Hoje, retorno à Ceia na esperança de sentar à mesa junto aos amigos, cumplices de vivências e afetos.
Deixo para o Marcolino Candeias o meu sentido pleito:
– Tu, neste teu inconfundível lirismo insular, na alegria festeira de cantar o amor de jeito sestroso, com sabor gostoso de butiá ou de beijo roubado, não poderias dar um jeitinho à brasileira e dar lugar a uma certa “laelia purpurata” nesta mesa?
Lélia Pereira Nunes
14 de fevereiro de 2016
Florianópolis, Ilha de Santa Catarina.