(Léo Gausson 1860-1944)
Casa Micaelense
Minha casinha de pedra,
De pedra negra, basalto,
Tem porta e duas janelas,
Sobranceira, lá no alto.
Há mogangos amarelos
Nos muros cá do quintal,
Rosas de cacho, vermelhas,
Cheirando lá no rosal.
Libando o suco das flores
Zumbem nos ares obreiras,
Balhando por entre incensos,
Eucaliptos e conteiras.
Tua chaminé se ergue
Tosca, rude, na traseira,
Deixando escapar o fumo
Da minha pobre lareira.
Há nas traves da cozinha
Alhos, poejo, cidreira…
Nos boiões estão chouriços,
Aguardente na copeira.
Louça de barro da Vila
Na prateleira enfeitando,
Quando dentro se põe água
Toda ela vai chiando.
Nas tijelas da Lagoa
Já fumega caldo azedo:
Da sertã, lá sai o bolo
Do canjirão, vinho a medo.
Há tapetes de retalhos,
Com fartura, no sobrado;
Numa banca da entrada
O Espírito Santo enfeitado.
Na cama, colcha de chita
Com cabeceira bordada
E, descansando a seus pés,
Está a viola deitada.
Sobre a cómoda, a lapinha,
Com duas velas ao lado;
Registo do Santo Cristo
Na parede pendurado.
Maria José Damião,
A ilha e o sonho,
Ponta Delgada, Edição da Autora, 1980.
Maria José Damião Serpa e Sousa Arruda (1940), professora, pintora, poeta, natural da freguesia de Fajã de Cima, ilha de S. Miguel, trabalhou em Arrifes, Ribeirinha, Rabo de Peixe e na cidade de Ponta Delgada, onde reside.