TRATADO DE asTROLOGIA
Apago as luzes que pago e saio para o luzeiro que não tem preço
Apreço de um poeta pela liberdade de um terraço fora do tempo.
Apago as luzes do tempo, acendo em mim escravidão apreciada.
Saio? Entro? Senhor ou servo? Sou? Deixo de ser? Oh, noite!
Durante a noite a casa não tem muros ou sequer sombra da sombra
E desassombrada a casa deixo eu de ser tão bem humorado.
Ali não sei se é a ponta de uma árvore, se é nuvem, outra ilha distante
Instante de livros sagrados que não é sensato abrir a rir ou a chorar.
É à noite que a Verdade se manifesta, festa sem mãos mas festa
Comunicação, acção efectivamente comunitária, ária, disseram os pitagóricos.
E os outros Magos, qual destas estrelas os guiou ao Feiticeiro de Cafarnaúm?
Ele sabia Grego, como se pode ver: «Mas a homem não tem onde repousar a cabeça».
O sol mente ao permitir o eu somente, só mente o Eu que se permite.
Agora, sim, a Terra move-se a uma velocidade louca, oca, outra a estrada
Via Láctea e eu me agarro com muita força à balaustrada que não vejo
«Deixa-te ir sem nome, ó poeta, cai sem medo no mar de cima».
Não, não, não, é Lúcifer quem chama, o lúcido Anjo das Trevas, pai da mentira
Cantem os galos para afugentar a tentação, irmão sol, Mentira eficaz
A Paz, Senhor, dai-me a Paz, a Tua Paz, que eu mago inteiro me ofereço!
Eu quero o sol a amarelar os hibiscos do meu jardim murado.
Criados, não me deixem só neste terraço amaldiçoado, venham dominar o dono!
Mas ninguém me ouve. Os cães dormem, a criada também, ressona o jardineiro
Ninguém diria que ontem por aqui passou um furacão.
Hei-de acender uma vela nas costas, a outra via, a sacra.
Mário T. Cabral,
tratados,
Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2012.
Imagem: Van Gogh’s starry night