IRMANDADE
Mário T Cabral, 25 de JUNHO AD 2017
Desde os primórdios que homens e cães se relacionam na perfeição. Entendemo-nos em quase tudo e admiramo-nos mutuamente. Muitos de nós não toleramos sequer a ideia de vivermos separados deles.
Esta relação ensina muito, em diversas direções. Nos tempos que correm, talvez a maior destas lições seja que a nossa natureza – muito parecida com a dos cães – não é uma invenção nossa, nem social nem particular. Faz parte da condição animal. Uma época ecológica deveria conformar-se com gáudio às leis da natureza, em vez de andar para aí a pregar como Frei Tomás.
Não vale uma aproximação redutora, que esqueça a grande diferença específica que distingue o ser humano como animal racional e espiritual. A analogia tem regras, sendo uma delas o não esconder, deliberadamente, também os grandes contrastes, atrás das evidentes semelhanças entre as realidades comparadas.
Para já, interessa-nos o fundo que nos irmana: uma grossa fatia da nossa psicologia (para mal dos nossos pecados, tantas vezes); uma grossa fatia da nossa inteligência (até ao patamar do raciocínio); e até uma parte considerável da nossa moralidade (os cães têm uma noção de justiça notável, por exemplo; e um elevadíssimo sentido de propriedade privada; no que toca à gratidão, são imbatíveis).
Não sentimos esta proximidade em relação aos ratos, por exemplo. Mas os critérios psicológicos e morais que os cães usam com eles são os mesmos que usam connosco. Quer dizer: eles são uma espécie de elo entre nós e o mundo todo, que nos impede de pensarmos que somos anjos. Pelos vistos, há um fio que atravessa todo o ser e a todos nos irmana.
Basta olhar com demora para as aves, os peixes e até para as plantas. Em proporções diversas, a vida segue a mesmíssima paleta, o mesmíssimo conjunto de regras básicas: o amor é o mesmo, o ódio é o mesmo, a justiça é a mesma, o bem é o mesmo.
Entre si, muitas espécies se relacionam como nós e o cães. A Biologia chama-lhe “simbiose”. São infinitas as portas de comunicação entre os seres, haja competência no domínio da linguagem. Até as pedras sabem falar, como garantiu Josué e Miguel Ângelo.
No nosso caso, podemos acrescentar: os gatos, as doces vacas, que lambem os que amam, os cavalos, que se deixam morrer de saudade, como os cães; os macacos, as ovelhas, os porcos, os burros… a quinta… o Paraíso… Isaías…
Temos a obrigação de apresentar todos estes irmãos aos anjos e a Deus, nós que subimos mais na escada ontológica, até aos primeiros degraus do espírito – tal como os cães nos apresentam aos outros animais com quem não temos relação e as árvores nos lembram as funções vitais básicas.
São Paulo dá-nos a garantia que toda a natureza ressuscitará connosco, o que é uma jubilosa esperança para a maioria de nós. Que pena seria deixar de ver este mundo para sempre; e que injusto seria que da Criação só nós fôssemos redimidos, quando fomos nós os únicos culpados de tudo.
Isto requer amor e, como tal, responsabilidade. Neste caso, responsabilidade de olharmos para cima, para as nossas faculdades espirituais, precisamente aquelas que nem os cães possuem. Isto não significa que não apreciem.
Por exemplo, parece que há estudos que comprovam que as plantas crescem melhor e as vacas produzem mais leite ao ouvir Mozart do que heavy metal. Os cães não são sensíveis ao Belo (pelos vistos, outra especificidade nossa… quer dizer… e as danças matrimoniais por todo este mundo?!), mas apreciam, e muito, uma bela escovagem, como as ovelhas ser tosquiadas.
Há uma oração do cão, nada lamechas, muito instrutiva acerca daquela que deveria ser a nossa relação com Deus. Brinca-se com a etimologia dos “dominicanos”. Deixámos de escrever fábulas e de acreditar que os animais falam, o que é lamentável. Foi tudo no mesmo saco para o lixo, também o nosso entendimento do símbolo e a nossa competência poética e religiosa.
Ficámos sós, sem a ciência das línguas, quer dizer, sem o Espírito Santo, secos como frutos fora de época, excessivamente velhos (a nenhuma criança este discurso é estranho), mecanizados. Mortos, muito mortos.
Não vale uma aproximação redutora, que esqueça a grande diferença específica que distingue o ser humano como animal racional e espiritual. A analogia tem regras, sendo uma delas o não esconder, deliberadamente, também os grandes contrastes, atrás das evidentes semelhanças entre as realidades comparadas.
Para já, interessa-nos o fundo que nos irmana: uma grossa fatia da nossa psicologia (para mal dos nossos pecados, tantas vezes); uma grossa fatia da nossa inteligência (até ao patamar do raciocínio); e até uma parte considerável da nossa moralidade (os cães têm uma noção de justiça notável, por exemplo; e um elevadíssimo sentido de propriedade privada; no que toca à gratidão, são imbatíveis).
Não sentimos esta proximidade em relação aos ratos, por exemplo. Mas os critérios psicológicos e morais que os cães usam com eles são os mesmos que usam connosco. Quer dizer: eles são uma espécie de elo entre nós e o mundo todo, que nos impede de pensarmos que somos anjos. Pelos vistos, há um fio que atravessa todo o ser e a todos nos irmana.
Basta olhar com demora para as aves, os peixes e até para as plantas. Em proporções diversas, a vida segue a mesmíssima paleta, o mesmíssimo conjunto de regras básicas: o amor é o mesmo, o ódio é o mesmo, a justiça é a mesma, o bem é o mesmo.
Entre si, muitas espécies se relacionam como nós e o cães. A Biologia chama-lhe “simbiose”. São infinitas as portas de comunicação entre os seres, haja competência no domínio da linguagem. Até as pedras sabem falar, como garantiu Josué e Miguel Ângelo.
No nosso caso, podemos acrescentar: os gatos, as doces vacas, que lambem os que amam, os cavalos, que se deixam morrer de saudade, como os cães; os macacos, as ovelhas, os porcos, os burros… a quinta… o Paraíso… Isaías…
Temos a obrigação de apresentar todos estes irmãos aos anjos e a Deus, nós que subimos mais na escada ontológica, até aos primeiros degraus do espírito – tal como os cães nos apresentam aos outros animais com quem não temos relação e as árvores nos lembram as funções vitais básicas.
São Paulo dá-nos a garantia que toda a natureza ressuscitará connosco, o que é uma jubilosa esperança para a maioria de nós. Que pena seria deixar de ver este mundo para sempre; e que injusto seria que da Criação só nós fôssemos redimidos, quando fomos nós os únicos culpados de tudo.
Isto requer amor e, como tal, responsabilidade. Neste caso, responsabilidade de olharmos para cima, para as nossas faculdades espirituais, precisamente aquelas que nem os cães possuem. Isto não significa que não apreciem.
Por exemplo, parece que há estudos que comprovam que as plantas crescem melhor e as vacas produzem mais leite ao ouvir Mozart do que heavy metal. Os cães não são sensíveis ao Belo (pelos vistos, outra especificidade nossa… quer dizer… e as danças matrimoniais por todo este mundo?!), mas apreciam, e muito, uma bela escovagem, como as ovelhas ser tosquiadas.
Há uma oração do cão, nada lamechas, muito instrutiva acerca daquela que deveria ser a nossa relação com Deus. Brinca-se com a etimologia dos “dominicanos”. Deixámos de escrever fábulas e de acreditar que os animais falam, o que é lamentável. Foi tudo no mesmo saco para o lixo, também o nosso entendimento do símbolo e a nossa competência poética e religiosa.
Ficámos sós, sem a ciência das línguas, quer dizer, sem o Espírito Santo, secos como frutos fora de época, excessivamente velhos (a nenhuma criança este discurso é estranho), mecanizados. Mortos, muito mortos.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu livro de ficção, O Acidente, ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.