Mário T Cabral, 2013
39. MEDITAÇÕES
e) Deus é frágil
Há esta narrativa do AT que provoca o efeito duma pluma que passa pela palma do pé: 1 Cr 17, 1-15, com paralelo quase textual em 2 Sm 7, 1-17. Apetece abraçar Deus-Pai com ternura, prevendo o seu tímido estremecimento.
Filósofos e teólogos têm um deus imperturbável, uma esfinge. Que fiquem com ele! Os fieis apaixonam-se é por este Deus que não resiste à persuasão: é um Mistério, mas é vulnerável.
O rei David é especialista a fazer Deus espirrar. Quando se instala no seu palácio, considera que não está certo Ele continuar numa tenda e decide construir-lhe o Templo.
Desperta, assim, em Deus, um complexo de sentimentos que nos apanha como um tornado – porque o Deus do AT (muito mais do que o Filho, que saiu mais calmo) não tem nada de monge zen.
Ao princípio, o Senhor do Universo parece insultado: quem pensa David que é, para supor-se capaz de Lhe oferecer o que seja? Ele foi buscar o rei ao meio do gado, deu-lhe dum tudo, fez dele o que é agora.
David sabe-o bem. Ficamos com pena do rei, temendo a aparente soberba e arrogância da Transcendência. Então não pode uma criança oferecer nada a seus pais? Testemunharíamos a favor de David, se ele nos pedisse.
Mas logo o vento muda de quadrante, soprando com o mesmo entusiasmo mas noutra direção. Deus não pode ser mais claro ao revelar o seu contentamento: a casa de David será eterna, nela nascerá o seu próprio Filho Jesus!
David atreveu-se a caçar Deus com um laço de amor e Deus gostou. O Inefável concretiza-Se, fala com David tu-cá-tu-lá. E agora é o rei que está a tremer de comoção.
Aprendamos este estilo para nós próprios: repare-se, é uma conversa de namorados, cada qual põe o outro nos píncaros e, ao mesmo tempo, mostra-se insubstituível.
Nada parecido com existes-não existes, que ganho-que perco. Não é dialética, é retórica; não é só cabeça: é coração, é o corpo todo – David dança à palhaço em frente da Arca da Aliança. A filha de Saul despreza-o por isso… e Deus despreza-a por isso.
O Pai ama David e o Filho ama Pedro, no mesmo estilo. Que têm David e Pedro que nós não temos? Ambos são fracos e pecadores, mas ambos têm um coração do tamanho do Infinito e por isso Deus não Se sente apertado lá dentro.
Quem somos nós para oferecermos a Deus seja o que for, por exemplo as nossas orações! Não interessa, avancemos, mesmo assim, porque Ele não resistirá à nossa corte.
Nós sabemos o que ganhamos: o júbilo!
Não é só o sentido, nem só o prazer, nem mesmo só a felicidade – é a Esperança, o Júbilo!
Os apaixonados sabem.