… desde jovem tenho procurado escutar o murmúrio coado do pensamento (a pensar não se envelhece) para me proteger da poluição sonora da pregação venenífera dos amanuenses do status-quo. São feitios. É possivel que os desígnios do meu temperamento me tenham protegido das vulnerabilidades da opulência obscena cultivada pelo mandarinismo lusitano.
O saldo da conta da minha rica-pobreza não serve de exemplo a ninguém. Reconheço, contudo, que há ainda vários modos de conviver com a pobreza involuntária; há quem se sirva da pobreza como “alavanca” psico-religioso para melhor explorar a má-consciência dos herdeiros profissionais das classes possidentes…
O já desbotado decreto emocional de amar os pobres (e odiar a pobreza) já deu provas da sua ineficácia operacional. Não me parece possível eliminar a miséria (a pobreza é apenas o rosto mais visível da miséria) com ferramentas artimeticas, ou seja, duplicando ou triplicando, por milagre populacho, o rendimento individual. Assim que as comunidades acendem o foguete de lágrimas do progresso material, os indivíduos depressa “descobrem” novas, exigentes, quiçá desnecessárias ‘necessidades’. Mais: a trajectória comum dessas supostas necessidades começa como mera ostentação, e termina como imperativo irreversível…
O conceito popular de Democracia “anda nas bocas do mundo” há mais de dois mil e quinhentos anos. Sempre que observamos a fundo o princípio da ‘igualdade na pobreza’ (em que “o jantar serve de ceia”) ressalta-se-nos à vista o vírus da gripe económica que vamos comparar (metaforicamente) ao vírus da ‘sida social’, cuja propalacão ameaça desaguar no oceano do ‘terrorismo económico’…
Gostaria de acreditar que, no peito da cidadania democrática, há um nobre guerrilheiro-moral a esgrimir a verdade relativa das coisas; um salmo de justiça social patente nas danças e cantares do povo, nas suas emoções e tradições étnico-religiosas. Vamos sugerir que promessas de bem-estar não são juras bíblicas: são porventura gotas de palavras que se esgueiram pelas sinuosidades do eterno-bem; são lascas de verdades arrancadas ao madeiral do pensamento. É por isso que, em pleno esfervilhar da vida, bastas vezes temos de recuar (corajosamente) para tomar fôlego e continuar o avanço (mesmo que paralelamente)…
Vamos perguntar ao Verão em curso: como irás neutralizar a passividade adolescente (e não só) em relação às drogas ilegais? Que novidades trazes aos dois milhões de “fora da lei” que pululam nas cadeias norte-americanas? Qual o teu projecto relativamente ao Serviço Nacional de Protecção às Crianças, para além da contensão disciplinar e da punição legal do imundo flagelo pedófilo? Que me dizes do terrorismo sócio-cultural que continua a adiar sine die a alvorada da meritocracia? Quantos quilómetros de comprimento apresenta a parada anual dos mercenários do oportunismo…?
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E já agora vamos torcer o leme da diáspora em direcção aos Açores.
Vejamos: quando iremos celebrar o natal da C.O.P.A. (Cruzada de Organização Popular Açoriana), integrada por Sindicatos, Escolas, Empresas, Organizações desportivas e recreativas, para acicatar a Administração Regional a reconhecer a sua demorada, embora por vezes compreensível, “dor de ser quase”? Será que valerá a pena aguardar as melhoras do reumatismo alternativo da oposição regional?
… creio que nesta conjuntura estival (2010) seria importante “perder a oportunidade para perder a oportunidade”. Ou seja: a autonomia politico-administrativa dos Açores não deve ser humilhada pela hipótese de ser apequenada à mera circunstância dum waiting room for the last trip…
Caro Verão de 2010: há ainda gente com medo da coragem… e há também muitos viventes apavorados pela chegada da Liberdade (sobretudo pelo temor da responsabilidade individual que tal eventualidade implica…).
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Rancho Mirage, California
Agosto, 2010
O escritor João-Luís de Medeiros, açoriano da freguesia de São Roque, Rosto de Cão,Ilha de São Miguel.
Suas crônicas chegam em forma de “memorandum” e falam de vivências e experiências nas duas margens Atlânticas. Da terra insular e da grande Califórnia,no Rancho Mirage. Uma escrita peregrina que encontramos nas páginas do Portuguese Times e do Portuguese Tribune (EUA) ou em jornais açorianos como o Correio dos Açores.
Como escritor está presente em inúmeras antologias na prosa e na poesia.
Destaco a sua participação como coordenador e autor nas publicações sobre as Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra (Em Louvor ao Divino,Providence,1993) e na edição especial, presidida por Tony Goulart,da Califórnia, alusiva aos “50 Anos do Vulcão dos Capelinhos.”
É Licenciado em “Humanities and Social Sciences” pela University of Massachusetts/Darmouth,e Mestre em Ciências “Human Resources Management”pela Chapman University,Orange,California.
O seu primeiro livro de poemas e contos,recentemente publicado,intitulado “(Re)Verso da Palavra” deixa fluir uma voz sempre forte, inquieta na dança das palavras que ora saem como lavas vulcânicas, incandescentes. Ora suave, como a carícia do vento em tardes primaveris.