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MIGUÉIS ENTRE DOIS EXÍLIOS
David Brookshaw -Bristol University, United Kingdom)
Com o fim da guerra, a obsessão de Miguéis com a idéia de um regresso permanente a Portugal começou a manifestar-se em 1946 e continuou até finais da década de 60, e essa aspiração, incluíndo os preparativos para viagens a Portugal em 1946, 1957, e 1963, e as suas consequências, constituem o foco de uma parte siginificativa da sua correspondência. A impressão que ganhamos da leitura das suas cartas é a de alguém que gostava mais da idéia do regresso do que a realidade prática. Numa carta para a mãe em Maio de 1946, Miguéis torna explícitas as suas expectativas: ‘Embora seja sempre triste a gente separar-se das coisas, das terras e das pessoas com que viveu tanto tempo, não faz idéia da alegria com que penso que daqui por pouco mais de um mês estaremos reunidos!’ Dois meses mais tarde, já em Lisboa, numa carta a Eduardo Cárdenas, director da Reader’s Digest em Nova Iorque, de quem dependia para trabalho como tradutor, Miguéis criticava a vida em Lisboa, e embora faça o elogio das praias, insiste que está com saudades de Nova Iorque. O motivo principal para o regresso de Miguéis tinha sido para confirmar a sua reputação como escritor, e já em Julho do mesmo ano, sentia-se mais seguro: ‘Estou finalmente instalado na minha casa’, escreveu para Cárdenas, ‘e pronto a voltar ao business as usual… O tempo continua excelente… e creio poder fazer muito e bom trabalho’. Em Dezembro, Miguéis já se preparava para ir embora. Em outra carta para Cárdenas, escreveu: ‘… Confesso-lhe que não encontrei por cá “la escondida senda”, nem a “quietud bucólica” a que se refere: mas embaraços e problemas de toda a ordem’. Só a mãe, idosa e doente, o retinha em Portugal, enquanto ele, com a própria saúde enfraquecida como resultado de uma doença grave antes da viagem para a Europa, queria regressar a Nova Iorque ‘para um rigoroso check up com o Dr Foster Kennedy’. Em Maio do ano seguinte, Miguéis encontrava-se de novo em Nova Iorque, atraído pela promessa de Cárdenas de que não lhe faltaria trabalho. Porém, pouco mais de ano e meio depois, numa carta de Janeiro de 1949 a um conhecido em Lisboa, já fazia planos para voltar a Portugal em Maio. Talvez pensasse que as eleições presidenciais em Portugal pusessem fim ao Estado Novo, mas Miguéis era cauteloso demais para mencionar assuntos políticos. Explicava o seu desejo de regressar com razões mais práticas e pessoais: ‘Se não pudesse ficar em Portugal, tentaria a França, o Brasil, qualquer coisa, mas só em último lugar os Estados Unidos… Não se pode viver nesta monotonia azeda da tradução sem outra esperança; antes a fome ou o cárcere! Além disso, para viver aqui, como hoje, eu sou forçado a trabalhar duas vezes mais do que faria em Lisboa’. Mas em Março, os sentimentos eram outros. Ao saber da morte de Manuel Tagarro, um marinheiro português que conhecera em Nova Iorque e que ajudara a mãe e a irmã em certas questões práticas e quotidianas, escreveu ao seu amigo de longa data, Mário Castro: ‘… Chega a parecer-me aterradora a perspectiva do regresso: nem a liberdade (nem a pouca de que aqui goso) nem a atmosfera de outros tempos’. Acabou por não viajar para Portugal. Em fins de 1949, Miguéis, Camila e a filha adoptiva, Patty, estavam a caminho do Rio de Janeiro, para onde a Reader’s Digest em língua portuguesa estava a ser transferida. Mais uma vez, Miguéis viajava cheio de esperanças: embora Carmona e Salazar se encontrassem ainda no poder em Portugal, a ditadura no Brasil tinha cedido lugar a um regime democrático-liberal após o afastamento de Getúlio Vargas em 1945. Além disso, havia mais refugiados políticos portugueses no Brasil do que nos Estados Unidos, o que parecia oferecer-le um meio intelectual e literário mais convidativo. Se acrescentarmos outros fatores como clima, custo de vida, e o facto de Miguéis ter publicado um livro no Brasil uns anos antes, e podemos compreender o optimismo do autor à medida que o barco avançava rumo ao Rio de Janeiro. A estada no Rio foi um fracasso, e em meados de 1950, a família se encontrava novamente em Nova Iorque. Numa carta a Mário Castro em Novembro do mesmo ano, Miguéis, pela primeira vez, alude ao estado psicológico da Camila como a razão fundamental pela qual a família não conseguiu estabelecer-se permanentemente no Brasil ou em Portugal.
Em 1952, a actividade de Miguéis como tradutor tornava-se cada vez mais precária, e o autor dependia cada vez mais da mulher como fonte de rendimento através do seu trabalho como secretária. Por outro lado, começou a publicar com maior regularidade em Portugal, graças às suas relações com a nova editora, Estúdios Cor, e isto despertou nele o desejo de regressar a Lisboa para investir na sua carreira literária. Em Novembro de 1955, escreveu para a irmã (agora sozinha desde a morte da mãe em 1949), mencionando que tinha marcado a sua passagem para Junho, mas que sentira a necessidade de ficar em Nova Iorque até a filha, que completara os 15 anos, acabar a educação secundária. Mas em 1957, com o apoio da Camila, fez os seus preparativos para deixar Nova Iorque e regressar a Lisboa. Na altura, articulou os mesmos receios manifestados nas vésperas da última viagem. Numa carta a Edgard Cavalheiro, um conhecido literário brasileiro, escreveu: ‘Tua última carta encontrou-me em meio de preparativos de regresso à terra lusitana, onde espero (temporariaramente) ficar de vez, se mo consentirem. Os meus amigos esforçam-se por me tornar de rosas uma cama que é de espinhos e baionetas. Mas vou fazer força para ficar…’
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