MILAGRES
Mário T Cabral, 22 de Março AD 2015
Ao contrário do que é comum pensar-se, não há incompatibilidade entre os milagres e a ciência. A ciência clássica não aposta em afirmar como é que as coisas funcionam sempre, mas, sim, como é que as coisas funcionam quando não há intervenção externa ao sistema.
As leis de Newton, por exemplo, são válidas para sistemas isolados ou fechados, isto é, quando nenhuma força externa atua sobre eles (princípio da conservação da energia). Nada é dito sobre o mundo ser um sistema fechado – nem poderia ser dito, pois esta seria uma afirmação metafísica.
Nada obsta a que Deus intervenha milagrosamente no mundo sem afetar as leis de Newton. Isto torna-se ainda mais óbvio no contexto da física quântica, na qual os pressupostos espácio-temporais são postos em causa. Não interessa saber se a física quântica está certa ou errada; mas apenas sublinhar que, se estiver certa, não é incompatível com os milagres.
O caso é diferente em Laplace, que assume que o universo é um sistema fechado. Num sistema fechado, Deus não intervém milagrosamente (fora das regras da natureza). Porém, esta tomada de posição não é física, mas metafísica.
A religião não tem nada que andar à boleia da ciência, como o pretenderam os modernos. O fundamento da religião é tão legítimo (ou mais) do que o científico. A justificação religiosa não pode depender das indecisões do conhecimento humano. O seu alicerce teológico pode – ou não – ncontrar-se com o científico.
Veja-se o caso de Locke: exige que as crenças religiosas tenham uma garantia racional, de modo a serem aceitáveis. William Alston chama a atenção para o facto de as outras fontes de certeza – como sejam: intuição racional, memória, perceção sensível, etc. – não terem de passar pelo mesmo teste. Nenhuma delas fundamenta as outras; exemplo: como provar racionalmente a existência do mundo? Como chegar empiricamente aos universais? O facto da razão não provar ou justificar a perceção do mundo não obsta a que afirmemos a existência do mundo; e o mesmo para as outras faculdades.
Porque há de a fé ter de dar provas mais rigorosas? As verdades da fé são tão aceitáveis, ab initio, quanto as da perceção e as da razão e as da memória. Por outras palavras: a fé é tão natural quanto a razão e a sensibilidade.
É confrangedor encontrar crentes que ficam embaraçados com os milagres, que procuram racionalizar deste ou daquele modo. Se são cristãos, o seu fundamento e justificação é Jesus Cristo, que declarou ser Deus e fez muitos milagres para o comprovar, em especial a sua Ressurreição. Ninguém é obrigado a ser crente; o próprio Jesus Cristo está sempre a perguntar: «Acreditas?». A pedra de toque lógica – repita-se: lógica -, é Cristo como pedra angular. Se Ele é Deus, nada obsta a que faça milagres, quando assim bem entender.
Daqui não se conclui que os milagres sejam compreensíveis. Se fossem compreensíveis não eram milagres. Mas o Big Bang não é compreensível, e é a tese cosmológica oficial; mas é altamente difícil explicar a origem da vida a partir exclusivamente das leis da física; mas é altamente difícil explicar a origem da consciência a partir exclusivamente das leis da biologia. Concluindo: estamos rodeados de milagres que não nos fazem mossa.
Porque é que santos não hão de fazer milagres, a começar em Maria Santíssima? Não há nenhuma inconsistência com este assunto dentro do sistema católico. Aliás, até dá para compreender, de fora do sistema, este facto: os santos são os seres humanos que mais se aproximam de Deus, é naturalíssimo que aprendam as artes do seu Mestre.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu livro de ficção, O Acidente, Porto: Campo das Letras, ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.