Minima Azorica o meu mundo é deste reino,
de Onésimo Teotónio Almeida
Onésimo Teotónio Almeida continua a publicar livros com espantosa regularidade.
Para recensear o seu último livro, Minima Azorica (Companhia das Ilhas, 2014), e perceber a adaptação do título feita a partir de Minima Moralia, li, com interesse, esta obra de Theodor Adorno, que apresenta, entre outros, o seguinte dilema: o escritor acaba por perceber que quanto mais se exprime de modo preciso, consciencioso e adequado sobre um assunto, tanto mais o resultado literário é considerado difícil, enquanto que, à medida que faz formulações frouxas e irresponsáveis, é recompensado por uma certa compreensão.
De algum modo, e mutatis mutandis, este também tem sido o dilema de Onésimo, mais conhecido pelas suas crónicas (que ele classifica de ensaios em mangas de camisa) do que propriamente pelos seus ensaios filosóficos que constituem, sem dúvida, a sua obra mais sólida, consistente e consequente. Com efeito, Onésimo é autor de importantes ensaios nos seguintes domínios: Modernidade, Mundividências, Identidade Portuguesa, Mitos da Cultura, Tradição Filosófica Anglo-Americana, Ciências Sociais, Ideologias, Valores, Ética, Lógica, Tradição Racionalista, Metafísica, Epistemologia, Pragmatismo, entre outros. Contracorrente em muitas áreas, Onésimo privilegia a Filosofia Analítica e dá muita atenção à Empíria. Mas também se interessa pela História e pela Ciência. Acima de tudo gosta de sínteses, e não se cansa de aprofundar o tema da Identidade Portuguesa, sendo estudioso acérrimo da história cultural, do imaginário e da tradição literária dos Açores.
Pensador livre e frontal, vagamundo e viajante infatigável (globe-trotter), embarcadiço (homo errabundus) e homem de todos os lugares (homo universalis), mestre do humor e da dialéctica, interlocutor precioso e minucioso, conversador inveterado, impenitente grafómano em permanente diálogo com o seu tempo e dotado de uma curiosidade insaciável, Onésimo é fogo de rajada e é a inquietação de um desassossego criativo. Escritor atento ao real e ao risível das coisas, há, neste autor et actor, uma capacidade de vibrar com as suas sensações e as dos outros, e de tudo olhar com espírito crítico. E fá-lo, quase sempre, com doses q.b. de ironia, sua trademark. (A ironia é para ele uma intenção). Nesta matéria, considero Onésimo um jouisseur que faz do ato estético um jogo cerebral e vice-versa. Ele diverte-se e diverte-nos, faz-nos rir e ri de si próprio, tendo como base, para lá da ironia e do humor, uma sólida formação cultural (ou saber plural, como agora se diz). Porque há uma cultura e um humor que escreve Onésimo. E uma mundividência que o caracteriza. De resto ele faz jus à origem do seu nome: Onésimo é de origem grega e significa útil e proveitoso. Com efeito, ele sempre nos foi útil e proveitoso, sendo de uma grande generosidade para com aqueles que lhe solicitam os mais diversos tipos de apoio.
Ora, o título Minima Azorica remete-nos justamente para uma assumida ironia. Há coisas mínimas e sem importância que podem ser mínimas e sem importância para muitos, mas que têm muita importância para Onésimo. Daí que, testemunha de um dialogue intérieur, este livro tenha como propósito demonstrar gratidão e lealdade e seja dedicado à memória de autores com quem Onésimo conviveu e de quem colheu abundantes ensinamentos: Daniel de Sá, Dias de Melo, Emanuel Félix, Fernando Aires, José Enes, José Martins Garcia, Natália Correia e Pedro da Silveira.
O subtítulo, O meu mundo é deste reino dialoga com O meu reino não é deste mundo (palavras de Jesus Cristo na presença de Pilatos), e O meu mundo não é deste reino, título do celebrado romance de João de Melo.
Minima Azorica reúne um conjunto de ensaios de Onésimo, escritos entre 1994 e 2014, e que se encontravam publicados em livros colectivos, revistas e publicações de vária ordem. Alguns desses textos foram lidos em colóquios e noutros fóruns de debate, sendo que dois são inéditos. Agora reunidos, formam um todo e lançam (novos) olhares sobre os autores acima referidos (a que se acrescentam Arruda Furtado, Antero de Quental e José Bruno Carreiro), bem como sobre questões ligadas à açorianidade, à tradição, cultura e imaginário dos Açores, não deixando de estar, neste livro, a pedra de toque da ensaística onesiminiana: Valores e Mundividências.
Bem informado e melhor apetrechado em termos teóricos, Onésimo, exegeta sagaz, possui essa capacidade de pensar, de forma profunda e acutilante, a partir de factos aparentemente banais. Autor da reflexão crítica e da teorização estética, este professor e investigador universitário faz trabalho teórico, científico e académico de forma sui generis. Ele é um filósofo que pensa em metáforas. Um cronista (sempre de câmara fotográfica em punho) que gosta de contar histórias. Um ficcionista de livre navegação que despreza a aridez teorizante e olha o livro como acto vivido. Um poeta de prosemas. O resultado salta à vista: a escrita Onésimo é sempre contagiante e sedutora, didáctica e pedagógica. E isto porque o que ele escreve resulta de experiências vividas e sentidas. Isto é, o seu discurso é criação, descoberta e aventura constante no mundo das ideias. E depois ele possui esse dom de conciliar um método rigoroso (que integra as aquisições mais recentes da crítica e do ensaísmo) com uma manifesta capacidade criadora.
Se o pensamento de Onésimo é profundamente português, a sua metodologia de análise é estruturalmente anglo-americana. Quero com isto dizer que este autor não é dos que usam palavras a mais para esconder ideias a menos… Bem pelo contrário: ele dá forma e expressão ao que sente e pensa, sem aparatos académicos, esquivando-se a hermenêuticas, escrevendo num português vivo e escorreito, em estilo limpo, de grande elegância lexical, e com uma muito bem conseguida articulação das ideias. Veja-se, por exemplo, o rigor com que clarifica a identidade cultural dos Açores; as reflexões que faz no contexto mais vasto da cultura portuguesa, confrontando também a cultura europeia e norte-americana; ou a forma como, partindo do conceito (subjectivo) da açorianidade do intuitivo Nemésio (corsário das palavras), lhe chama na página 69), ou seja, da geografia e sua influência na psique humana, é assertivo ao afirmar, a provar e a comprovar que o factor geográfico, longe de ser exclusivo, é importante para explicar as nossas diferenças culturais.
Do que mais gostei neste livro? Sem dúvida dos olhares que Onésimo lança aos autores a quem dedica o livro e da crítica afectuosa que afectuosamente faz às obras por eles escritas. E, a propósito, é verdadeiramente espantoso o retrato que traça da vida e obra de José Enes, seu professor e maître à penser nos aggiornatos tempos do Seminário Episcopal de Angra.
Estejamos atentos porque vêm aí mais obras de Onésimo esse corisco mal amanhado que tem o vírus da escrita e o ouvido afinado pela oralidade.
Victor Rui Dores