Morreu o meu primeiro escritor. Um dos grandes – dos Açores e do
mundo. Devo-lhe a entrada de “O Terceiro Servo” para o Plano Regional
de Leitura, devo-lhe um monte de gargalhadas (e de poemas satíricos) a
pretexto das derrotas do nosso bem-amado Sporting e devo-lhe o
testemunho da família harmoniosa e repleta de sentido de humor, que
iluminava quem o visitava. Mas devo-lhe sobretudo “Um Deus à Beira da
Loucura”, a novela que desaguou em “E Deus Teve Medo de Ser Homem”, e
cujo existencialismo cristão (como ele próprio gostava de definir) me
tornou primeiro leitor e depois, em boa parte, escritor.
Encontrámo-nos pela última vez em Ponta Delgada, no dia do lançamento
do meu “Os Sítios Sem Resposta”, com o Vamberto e o Urbano e tantos
outros comparsas presentes. Saíra da Maia, coisa rara, e viera
entregar-me em mãos um volume de contos natalícios e o livro que
escrevera para Maria Alice, e de que mandara imprimir apenas uns
quantos exemplares, para oferecer aos amigos. Lembro-me de pegar nele,
de folheá-lo como ele devia primeiro ser folheado (muito depressa,
como se fosse um livro de animação, assim se completando o retrato
dela), e de pensar: eis, aí, a célula que funda a família harmoniosa,
um homem que ama a sua mulher. Hoje, faço silêncio por Daniel de Sá.
Um homem, mais ainda do que um escritor – e, definitivamente, um
exemplo. Não me despeço dele, porém: os seus livros continuarão na
minha mesa de cabeceira.
JOEL NETO