“Convergência de afectos” (*)
Bom dia!
Começo por saudar os presentes e por expressar o meu sincero contentamento por estar aqui, como participante, neste invulgar “episódio democrático” da rotina sócio-cultural da Universidade dos Açores. Na minha condição de amador da teimosia de viver, creio estar dispensado duma justificação nobilitante para me credenciar à participação neste honroso painel. De resto, é sempre bom lembrar que as universidades não devem ficar cativas da sua missão “disseminadora” do conhecimento armazenado na velha escola do “quieta non movere”. A aposta democrática na inter-convivialidade sócio-cultural com os que se distinguem nas trincheiras comunitárias da lusofonia, diz bem da maturidade do testemunho de coragem académica em curso.
O simpático convite da Direcção Regional das Comunidades faz parte dessa aposta descomplexada no entusiasmo participativo do talento disperso pela geografia, mas solidário com o projecto de reaproximação e concertação da diversidade artístico-literária.
Gostaria ainda de salientar o facto (para mim muito gratificante) deste painel ser presidido pelo professor Eduíno de Jesus. Atrevo-me a ir um pouco “ao arrepio” do protocolo para dizer que o escritor Eduíno de Jesus é uma das mais conceituadas referências literárias do panorama artístico da diáspora açoriana. Aproveito ainda para recordar, com justificada emoção, um dos primeiros textos da sua autoria que me foi dado ler: refiro-me ao preâmbulo ao livro do saudoso poeta Virgílio de Oliveira, intitulado “Rosas que vão Abrindo”, editado nos Açores, em 1957.
Vamos adiante.
Agora vou cuidar da magnânima pergunta que acaba de ser proposta ao painel de que faço parte:
Porque Escrevo?
Vamos a ver se consigo descobrir a chave do o cofre da espontaneidade… Ainda não logrei saber se escrevo para descortinar segredos porventura escondidos na voz do silêncio. Reconheço que disponho de magro capital inventivo para investir em definições. Preocupa-me mais a “chave-do-segredo” da mensagem do que a idolatria do perfil do mensageiro. Gosto de pensar à sombra das palavras, não por comodismo puritano, mas por prudência da coragem; as palavras nem sempre seguem pressurosas em busca da luz das ideias inquietantes…
E também gosto de escrever quando me sinto sob o pálio dos inventores da alegria de fintar a morte. Já esclareço: quando me sinto “notário oficioso” da tristeza de ter nascido, atrevo-me a rasgar as folhas desbotadas da espera… (se calhar, escrever é como ser massagista das curvas do pensamento, para fazê-lo murmurar ideias queridas ao ouvido das emoções…).
Sugiro que talvez valha a pena aprendermos uns com os outros a não resvalar no delírio de rubricar a história com o traçado das nossas ego-urgências. Que adianta ficarmos cativos do circuito-fechado da auto-escultura? Desde há muito vimos aprendendo que o mastro da vida dispensa estandartes para despertar vaidades…
Confesso que sou candidato a operário da escrita: alegra-me ser aprendiz do ofício de construir pontes de comunicação com dois sentidos: Chegadas & Partidas. E aprecio quando a solidariedade vive “solteira” – ou seja, a solidariedade não deve namorar a reciprocidade, na mira de ser herdeira da promessa jurídica da troca dum bem por outro bem considerado equivalente…
Entretanto, caros companheiras(os), seja-me permitido lembrar uma quadra que fiz publicar em 2007:
… luta contra todo o mal
faze o bem e logo esquece:
a vida é missa-campal
quando a justiça acontece.
Recapitulemos: o bem-comum não deveria uma alavanca calculista para o investimento matreiro na “bolsa” da reciprocidade. A Escrita é a aleluia da palavra ressuscitada na brancura do papel.
Mas afinal … porque escrevo?
Vejamos: escrevo porque preciso de ar para respirar; não me divirto a “brincar-às- escondidas” atrás do guarda-vento do mistério da Vida! Gosto muito de escrever no papel da imaginacão… Para mim, escrever é não falhar presença no cais de desembarque da palavra-de-honra… para celebrar o presente e escutar o evangelho do futuro!
Sim, também escrevo quando ouço as sonatas melancólicas da dor alheia. (Acho que foi a poetisa Maya Angelou quem sugeriu esta interrogação maravilhosa: – “porque será que os pássaros cativos em gaiolas continuam a cantar…?”
Ó céus! delicio-me a escrever (esculpir palavras?) quando reparo no arco-íris da inteligência duma Mulher-poema, cujo perfil desafia o “analfabetismo” estético-emocional dos que bocejam distraídos perante a beleza que dispensa os dizeres estonteantes da vulgaridade provinciana…
Estimados Companheiros e Colegas:
como estamos prestes a escutar os dizeres do artista Semy Braga (que faz parte da embaixada cultural que veio do outro lado do equador para “abrasar” a nossa convivialidade artística e cultural) vou interromper este meu curto desabafo emocional, usando como pretexto alguns versos do meu poemeto “Em busca do Poema”, patente no (Re)verso da Palavra:
…/…
marchar com a coragem de ter medo
sem temor das curvas do mistério:
atlanta-comovido a oeste do dilema
cativo na vala-comum duma espera
em queda-livre em busca do poema…
Fico desde já à mercê das vossas questões, para descortinar algo
que tenha porventura ficado nublado pela emocionalidade discursiva deste vosso poeta-emigrante, que há três décadas murmurou aos seus conterrâneos “emigrar não é trair nem vergar – é partir para um novo-estar.”
Termino, com um excerto poético das ressonâncias aquecidas no crepitar da fogueira da saudade, como ilhéu descendente de gerações formadas “na escola da tortura repetida e no uso do penar tornado crente”:
vim, estou aqui, para testemunhar
a dor-de-parto da palavra de honra:
– vamos proibir o Infinito de minguar
a finitude humana…
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(*) – I Encontro “convergência de afectos” promovidxo pela D.R.C.
e realizado na Universidade dos Açores (Ponta Deldada),outubro de 2009.
Crédito Imagens: Acervo Blog Comunidades,Lélia PSNunes,out.2009