Natal: Verdade, lenda, mito
Frei Bento Domingues, OP
Falar do Advento é pensar no Natal. A. Cunha de Oliveira [1], sacerdote católico, dispensado do ministério, casado e notável exegeta da Bíblia, publicou uma obra minuciosa, erudita, volumosa, fundamentada e extremamente clara, cuja leitura é indispensável para quantos se interessam pela verdade, pelas lendas e mitos em torno do Natal. Não conheço nada de comparável, em português.
O Natal significa que no cristianismo a salvação não se atinge pela fuga ou desprezo do mundo, embora seja essa uma das tentações que, periodicamente, o assaltam.
Foi inscrito, pela pena de S. Lucas, no devir da história universal, colocando a figura mítica de Adão como o primeiro antepassado de Jesus Cristo. No impressionante hino cósmico da Carta aos Colossenses, surge como princípio e sentido de todas as realidades, visíveis e invisíveis. No conhecido poema que abre o Evangelho de S. João, o Verbo eterno fez-se carne, fragilidade humana. Numa dramática poesia de S. Paulo (Fl 2, 6-11),Cristo é reconhecido como divino na suprema humilhação da cruz.
Como escreveu E. Schillebeeckx, O.P.[2], a história dos seres humanos é a narrativa de Deus. Fora do mundo não há salvação, neutralizando o nefasto e abusado aforismo: fora da Igreja não há salvação.
Recordo-me, como se fosse hoje, do espanto de muitos quando ele surgiu, no congresso internacional de teólogos dominicanos, em Valência (1966), a defender a obrigatória inclusão do mundo na lista dos clássicos lugares teológicos.
3. A virtude do Advento é a esperança. Não pode ser a esperança de que haverá Natal, mas que este produza o renascimento da Igreja e do Mundo. Precisamos de voltar sempre às narrativas de S. Mateus e de S. Lucas chamadas, impropriamente, Evangelhos da Infância. Para o seu estudo remeto para o citado livro de Cunha de Oliveira.
Se forem entendidas como lições de pura história ou de biologia, como tantas vezes acontece, fazem-nos perder a esperança de acreditar na verdade mais profunda do Novo Testamento: Jesus Cristo era em tudo igual a nós, excepto no pecado.
Quem melhor escreveu acerca desta virtude do Advento foi o poeta- teólogo, Charles Péguy[3]: O que me espanta, diz Deus, é a esperança./ E disso não me canso./ Essa pequena esperança que parece não ser nada./ … Que veio ao mundo no dia de Natal do ano passado./ … Ama o que será./ No tempo e na eternidade.
A esperança merece todos os elogios. Sem ela é impossível viver. Mas melhor do que esperar é ter a certeza de que somos desejados e esperados. Afinal é este o evangelho dentro do Evangelho, a célebre parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-31). Deus tem eternas saudades de nós.
NOTAS:
[1] Natal: Verdade, Lenda, Mito, Instituto Açoriano de Cultura, 2012
[2] L´histoire des hommes, récit de Dieu, Cerf, 1992
[3] Os portais do mistério da segunda virtude, Paulinas, 2013