LAGOA DO FOGO
O silêncio recorta línguas de água
ao espraiar-se na areia
quase virgem e solitária.
A Lagoa do Fogo transita o tempo
à pureza que não temia a mão humana,
fogo que se repete e respira
quando o incêndio
vem do outro e emana.
A voz do destino, aqui e distante,
desperta sombras que esvoaçam
a lisura do verde noctívago da água.
Sob este céu, mais próximo e frio,
aqueço veias do espírito
ao trazer instintos antigos,
alimentando frágeis penugens,
corpinhos de asas nuas;
vibrando ecos recém-nascidos
na claridade morta das luas.
Em fô1ego calmo da lagoa
bebo a paz inteira e sonolenta,
contrariando o esquecimento
onde o sangue alvoraçado
caminhava em busca
de uma idade madura.
Nelson Moniz,
Diário de Bruma,
Lisboa, Ed. Colibri, 2011.
Nelson Manuel da Silva Moniz (1961), professor, poeta, ensaísta, natural de S. Brás, Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, trabalha e reside na cidade algarvia de Albufeira.