21 de Abril, 2013
É Domingo. Estão cá o João de Melo e a Tita e disponibilizei-me para andar com eles, porque estar nesta terra sem carro é não aproveitar o melhor dela.
Quiseram ir ver a Dra. Adelaide Freitas, amiga de longa data de ambos, há mais tempo ainda do João, por laços comuns de origem, de lugares e de tanto que partilharam.
O Vamberto já contava connosco e foi dizendo que a Adelaide sentiria, de alguma forma, essa presença amiga.
E tivemos a certeza disso. A Tita, com aquela meiguice muito dela, beijou-a e disse-lhe palavras ternas que a fizeram sorrir. O João mereceu-lhe um beijo. E tenho a certeza de que guardará para sempre a sua voz a pronunciar-lhe o nome, quando não se esperava que dissesse coisa alguma. Que lembranças de outrora lhe terá trazido aquele rosto que se inclinou sobre ela?
E nesse sorrir da Adelaide vieram lágrimas aos olhos dos amigos.
Que mistérios se escondem por detrás do abismo de um cérebro que parece ausente? Como saberemos o que ali se passa e a importância que os afectos terão no “que ali se passa”? Dói muito pensar nisso. Daí eu ter hesitado em aparecer. Por sentir que haveria na minha ida uma certa “intromissão” num reduto que se quer só nosso e dos que nos são mais próximos.
E não vou dizer que não me chocou. Ela foi minha professora na Universidade. Era uma mulher plena de verve e de energia. De vontade de criar. Por isso me doeu ainda mais vê-la naquela prisão que sabemos perpétua.
Mas não vou fingir que foi só por isso. A verdade do que eu sinto é que ainda me doeu mais o drama do Vamberto. O perceber a força que é necessária para, apesar de tudo, criar, fazer projectos e levar o mundo para a frente em cada dia, como se a treta da vida fosse justa.
E as minhas lágrimas vieram por isso. E vieram também pelo que senti do Fernando Aires naquele espaço. Pela foto que vi dele, entre os livros dos amigos, onde ele certamente gostaria de saber que está.
Meu Pai contou-me bastante deste lugar do Vamberto e da Adelaide. Do que aqui viveu e passou. Dos serões, noite dentro, em conversas que nunca terminam, com amigos que são para sempre e que partilham do mesmo pão e do mesmo vinho. Contou-me desse tempo em que tudo parece tão certo. E tenho de confessar que as lágrimas também vieram daí – e do que a vida e os deuses vão fazendo de nós.
Não posso deixar de pensar que o destino por vezes é um padrasto dos diabos que, sadicamente, se esforça por nos tirar aquilo que temos de melhor.
Maria João Ruivo, professora e escritora