Moravam à beira do rio, sobre um espigão que acompanhava a planície, em casa de dois andares, de madeira, de cobertura bicuda, construída com a grana da primeira safra de porcos.
Haviam derrubado a mata, com aquela violência peculiar aos primeiros colonos de origem italiana, vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que, segundo a advertência do padre do lugar, não podiam ver árvore, que já se sentiam atacados de cólera florestal, que os levava às exageradas derrubadas e grandes incêndios. O milho veio bonito de se ver e a porcada fez uma festa ininterrupta de cento e vinte dias, ao fim dos quais os leitões de trinta quilos haviam se transformado em mastodontes de quase duzentos. Uma porca chegara aos trezentos – quase o peso de uma vaca.
Bonifácio construíra o casarão e prognosticara aos filhos, já meio desacorçoado:
– Não vou durar mais muito tempo. Esta pontada, que me dá no peito e responde na costela, vai acabar me levando.
O enterro deu-se em dia de forte trovoada, confirmando as palavras de dona Mosa, a benzedeira do lugar:
– Vai chover. Sempre que morre um, depois chove. Isto é para lavar os rastos do morto. Assim todos se esquecem logo do triste desaparecimento.
Rufino, filho mais velho, ajudou a carregar o pai até a cerquinha do cemitério, pouco povoado, o campo santo, inaugurado por Gonçalo, morto por seu tio em dia de festa, por bala errosa.
Houve medos nos primeiros dias. As outras crianças, irmãos de Rufino, fugiam do escuro. Ninguém ia sozinho a um quarto à noite. Dona Aparecida repreendia-os:
– Têm medo do próprio pai? Aonde é que já se viu?
Cláudia, a mais velha das filhas, corrigia:
– Não é do pai que a gente tem medo. É do defunto. A gente tem medo de todo defunto.
Rufino não tinha medo nenhum. E para consolar dona Aparecida dormiu com ela aquela primeira noite.
Dona Aparecida era de repente uma mulher sem homem. Tinha trinta e sete anos e este era seu segundo casamento. Na volta do enterro já se ouvira um comentário: "Siá Aparecida é que nem louva-a-deus".
Rufino tirou as grossas calças de riscado novo, a camisa de xadrez meio avermelhado e deitou-se de calção, como fazia todos os dias antes de dormir, desde que fora autorizado a usar calções, aos doze anos. Eram já, pois, seis anos de rotina.
Dona Aparecida contemplou-se um pouco no espelho da penteadeira, com as duas mãos sobre o rosto, e por fim pareceu conformar-se com essa segunda visita da morte. "Todos têm seu destino", cantara uma dupla caipira, ao amanhecer de anteontem.
Comunidades
20 fev, 2009, 21:06