Mais cedo ou mais tarde, todas as gerações acabam por dizer – “No meu tempo, não era nada disto.” Neste “nada” há um certo exagero, pois em todas as épocas há algo que se repete. Repetem-se os afetos, os desejos, as rebeldias, as irreverências, os sonhos… A forma como se vão vivendo ou não, concretizando ou não, é que vai mudando. Do mesmo modo que vai mudando, também, o modo de educar e de orientar essa mudança. E é também por isso que, em todas as gerações, acabamos por dizer – “No meu tempo, não era nada disto.”
De qualquer modo, uma coisa é certa. “No meu/nosso tempo”, a responsabilidade dos pais na educação dos filhos era atitude que se levava muito a sério. Hoje, infelizmente, não é tanto assim. Fala-se na desresponsabilização dos jovens, mas, antes de mais, devia falar-se também da desresponsabilização dos pais. Por diversas razões, que não cumpre agora enunciar, têm pouco tempo, pouca energia e pouca paciência para educar os filhos. Sim, porque trabalham muito e também têm que gozar a vida, porque esta “é muito curta”. E assim, entre o muito trabalho e o “gozar a vida”, não há tempo para as criancinhas. Estas ficam, então, totalmente entregues a si e, como ainda não tiveram sequer hipótese de se tornarem seres responsáveis, acabam, também elas, por ficar totalmente desresponsabilizadas.
Tomando como exemplo a vida escolar, quando algo corre mal, ou menos bem, com os jovens, os pais têm um enorme rebate de consciência e sentem-se obrigados a encontrar culpados, que, curiosamente, nunca são eles próprios. A culpa é “do sistema”, “da sociedade”, “do ensino”, “dos colegas”, “dos professores”, “do teste”, que era difícil, “do horário”, que não lhe permite estudar, etc, etc. Passam a mensagem aos filhos de forma tão clara, que estes também repetem, de peito cheio, que «A culpa é “do sistema”, “da sociedade”, “do ensino”, “dos colegas”, “dos professores”, “do teste”, que era difícil, “do horário”, que não lhe permite estudar, etc, etc.»
Isto, certamente, não era assim “no nosso tempo”, no tempo anterior a este. Os nossos pais, avós dos jovens de hoje, educaram-nos para sermos fortes e responsáveis. Ensinavam-nos que o sucesso e o fracasso faziam parte integrante da vida e que, quer um, quer outro, dependiam bastante de nós próprios. Impunham-nos regras que nós uma boa parte das vezes cumpríamos, mas, se não o fizéssemos, as consequências seriam da nossa responsabilidade e não de terceiros.
Lembram-se de como foi a nossa infância? De como passávamos a vida na rua e por casa de amigos? De como resolvíamos, por nós próprios, as nossas pequenas desavenças? De como éramos obrigados a assumir as consequências dos nossos atos? De como os pais não tinham uma necessidade constante de nos contatar? Claro. Marcavam-nos hora para chegar a casa e ai de quem não a cumprisse. Agora não. Os meninos estão sempre “contatáveis”, de modo que podem fazer o que quiserem e chegar à hora que entenderem. Ou seja, um pequenino objeto que transportam, chamado telemóvel, deu-lhes total liberdade para decidirem, aos doze, treze anos, o que devem fazer e a hora a que devem chegar a casa. Claro que isto é apenas um exemplo. É fantástico! E é tanto mais fantástico, quanto mais entra numa contradição desconcertante com o excesso de proteção que se exerce sobre os nossos jovens. Uma proteção tão excessiva, que eles estão a perder completamente as defesas. Estamos a criar uma geração de seres humanos extremamente fragilizados, incapazes de se defenderem das dificuldades e dos insucessos, mas com uma capacidade imensa de exigirem à geração anterior aquilo que ela não vai poder dar-lhes por muito mais tempo.
“No nosso tempo não era nada disto? Pois não. E tenho tanta pena que seja assim agora!
Maria João Ruivo
( Professora do Liceu Antero de Quental)
Jovens no Campo de Jogos do Liceu, década de 50.
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( Nota: Publicado no Editorial do Jornal “O Liceu” – Maio, 2012)