No Tricinquentenário da Fundação do Seminário Episcopal de Angra (1862-2012)
Sexta-feira passada, dia 9 de novembro de 2012, a Sé Catedral de Angra e a Câmara Municipal da mesma cidade juntaram-se em oração, música e discurso para celebrarem o tricinquentenário da fundação do Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo. O Secretário Regional da Educação, Cultura e Ciência, Dr. Luís Fagundes Duarte, afirmou ter sido o Seminário uma “escola de pensamento”, por onde passaram “pessoas importantes da intelectualidade portuguesa e, sobretudo, pessoas progressistas que contribuíram para que Portugal não morresse abafado na censura”.
O Seminário, como qualquer instituição, sujeitou-se a mudanças e desafios. Formou sacerdotes e homens de impacto na sociedade açoriana, nacional e, também, no palco internacional. Ao lado das suas virtudes, teve os seus defeitos. Nas palavras do Dr. Cunha de Oliveira caminhava-se «mais na procura do que na posse da verdade».
A formação no Seminário começava na tenra idade dos dez anos. A mesma coragem que levou a criança a separar-se da família e da freguesia, levou muitos a subirem o altar, outros a suspenderem as suas funções sacerdotais e, ainda, outros a desistirem. Todos serviram a Igreja – uns na sua visão do que ela é, outros na visão do que deveria ser. Todos, de diferentes maneiras e em diferentes capacidades, contribuíram para o desenvolvimento de um mundo melhor.
O Seminário estatuiu-se como uma entidade de formação cristã e académica. Simultaneamente teria que se formar o homem e o futuro sacerdote. Por um lado, seria necessário desenvolver uma cultura verdadeiramente humanista no seu vasto espetro de valores morais, espirituais, literários, artísticos, científicos, e até empresariais, onde todas as potencialidades do homem fossem atualizadas e postas ao serviço do indivíduo, da família e da comunidade. Por outro lado, teria que se compreender e viver os valores cristãos da fraternidade e equidade numa perspetiva Cristo-cêntrica. O jovem seminarista teria que crescer “mens sana in corpore sano” no sentido etimológico da palavra “seminário”, isto é, “viveiro de plantas” onde o cultivo, a adubação, a poda e a proteção são elementos sine qua non para um desenvolvimento saudável.
A educação assentava em dois pilares: a formação cristã e a formação académica.
A formação cristã obedecia a um horário completo de diferentes práticas. Despertava-se, pronunciando Benedicamus Dominum, ao som das palmas estridentes do padre prefeito. Havia orações da manhã, meditação, missa e comunhão. Retiro espiritual mensal. Confissão semanal. Direção espiritual periódica. Terço e orações da noite. Recitava-se a Ave Maria antes das aulas e das refeições. Em cada lugar, havia um crucifixo. Celebravam-se os momentos de maior significado no calendário litúrgico. Participava-se nas principais festas religiosas, em diferentes igrejas da cidade, com uma liturgia primorosamente preparada. Cantavam-se hinos clássicos do repertório de música sacra. Salmodiava-se em canto gregoriano. Havia a Congregação Mariana, a Conferência de São Vicente de Paulo e os Escuteiros. Visitavam-se pobres, prisioneiros e enfermos. Desta forma, procurava-se viver o cristianismo em espiritualidade e prática.
Seguia-se a formação académica que, em qualidade, era, pelo menos, paralela à cristã. Todos os professores do Seminário eram sacerdotes, com exceção do médico que regia o curso de Higiene e Medicina. A grande maioria desses sacerdotes havia-se formado na Universidade Pontifícia, em Roma. De uma maneira geral, possuíam qualidades de liderança e uma visão clara dos objetivos a seguir para a promoção do indivíduo e do bem comum. Eram dotados de inteligência e de uma cultura geral, e específica nas suas áreas de estudo. Nas palavras do Dr. Álvaro Monjardino, “alguns professores do Seminário de Angra tiveram << o azar>> de nascer muito antes do seu tempo”. O seu inconformismo com o status quo e a sua determinação e urgência em produzir mudança levou-os a atuar hic et nunc.
Os professores do Seminário eram homens de ação: publicaram livros de diferentes géneros literários e especialidade, assumiram a redação de jornais, escreveram artigos para revistas literárias e de cultura, proferiram conferências na radio, pregaram sermões e orientaram diversas organizações como a Acção Católica, Cursos de Cristandade, Escuteiros, Clubes locais de diversa ordem e outras atividades congéneres. Fundaram o Instituto Açoriano de Cultura e iniciaram as Semanas de Estudo, movimento de impacto único na vida cultural dos Açores. A mundividência destes homens sacerdotes e membros do corpo docente do Seminário de então era reconhecida e respeitada pelo público angrense e açoriano e era considerada progressista, equilibrada, justa e promotora da prosperidade social e da causa cristã. Foram pedagogos deste calibre que presidiram à orientação académica do Seminário durante muitos anos. Não era invulgar ouvir-se dizer que o Seminário era a Universidade dos Açores daquele tempo. Na verdade, lembro-me de um professor de Teologia, ao dar as provas da divindade de Cristo, dizer o seguinte: “dei-vos absolutamente tudo o que aprendi na Gregoriana, em Roma.”
A aprendizagem não se cingia apenas à sala de aula. Desta maneira, faziam-se passeios de estudo, ouviam-se conferências de diferente teor, formavam-se academias literárias e, nas Sabatinas, debatiam-se teses filosóficas e teológicas. A Festa de São Tomás de Aquino, com o seu Sarau Músico-Literário, era acontecimento impar na vida cultural da cidade.
O Seminário de Angra formou bons sacerdotes. Por outro lado, o ex-seminarista/ex-padre alcançou um plateau de consistência académica e ideológica que o preparou para o desempenho de múltiplas funções e fê-lo protagonista de diferentes artes e funções. Muitos completaram os seus estudos em universidades nacionais e estrangeiras. Hoje, encontram-se espalhados por todas as partes do globo, exercendo, com distinção, as mais variadas profissões – o ensino, a política, a advocacia, a enfermagem, a assistência social, a comunicação social (rádio, televisão e imprensa), administração escolar, pública e empresarial. Uma miríade deles distinguiu-se no campo literário, musical, filosófico e teológico.
Nos dias 6, 7, e 8 de julho do presente ano de 2012, um grupo de antigos alunos, em gesto de gratidão e apreço, descerrou uma placa no átrio de entrada do Seminário, em homenagem à instituição, aos professores e aos alunos.
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Sobre o autor NUNO A. VIEIRA:
Natural da Ilha das Flores, Açores,1942. Estudou no Seminário de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira. Emigrou para os Estados Unidos em 1968. É Licenciado em Humanidades e Ciências Sociais pela Universidade de Massachusetts em Dartmouth e Mestre em Educação Bilingue (ensino do Inglês,Segunda Língua, no Boston State College.Diplomou-se, pelo Departamento de Educação de Boston, em Português, Espanhol, Latim, Inglês e Psicologia Escolar. Por 36 anos lecionou Espanhol, Latim e Português, no Liceu de Stoughton, na área de Boston. Há cerca de 20 anos é professor de Espanhol, Latim e Português em Universidades do estado e part
iculares,na área de Boston. Nos últimos anos, tem sido uma presença constante nos jornais Portuguese Times (New Bedford), A União (Terceira), Sol Português (Toronto), As Flores (Ilha das Flores) e na revista Atlântida com a publicação de inúmeros artigos.
Nota: Fotos do Seminário: Cedidas pelos senhores António Armindo Couto e João Carlos Carreiro