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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Nos hospitais há sempre uma ilha de histórias tristes
Eduardo Bettencourt Pinto
Comunidades 06 dez, 2012, 13:07

Nos hospitais há sempre uma ilha de histórias tristes Eduardo Bettencourt Pinto

Nos hospitais há sempre uma ilha de histórias tristes
Eduardo Bettencourt Pinto

As folhas das árvores, caídas, sugerem partículas de sonhos desfeitos. São vermelhas, amarelas, laranja. Estão húmidas da chuva. A sua beleza é irradiante e melancólica. Observo-as enquanto vou caminhando lentamente a caminho do hospital.
Entrego o papel do meu médico à rececionista dos serviços de urgência. Momentos depois sigo Maria, a enfermeira, como um cordeiro obediente. É baixinha, veloz, cabelo curto, negro e luzidio.
Após um breve trajeto, indica-me uma cadeira ao fim do corredor.
– Daqui a pouco o médico vem vê-lo – diz, voltando costas.
Sento-me. Do outro lado, mesmo em frente, está uma jovem muito, muito gorda de t-shirt branca e calções. Ostenta, no braço esquerdo, uma tatuagem grosseira. Tem todo aquele ar de quem diz, tem cuidado comigo. Ao lado, com ar de enfado, uma agente policial. Momentos depois, porém, levantam-se e seguem uma enfermeira.
Trago comigo Left Negleted de Lisa Genova. Ponho-me a ler.
As cadeiras mantêm-se vazias por algum tempo. Depois Maria, a enfermeira, volta a aparecer. Segue-a um sujeito alto, magro, desengonçado e de meia-idade. Exibe um bigode grisalho em U ao contrário. Traz um boné vermelho de beisebol muito enterrado na cabeça, um casaco grosso. No ombro direito, pendurada, uma enorme mochila.
Despe o casaco, atira-o para a cadeira e repousa a mochila no seu lado esquerdo. Sentado, descalça-se lentamente.
Mexe os dedos dos pés dentro das peúgas pretas. A face contrai-se e massaja-os. Depois recosta-se na cadeira e faz pressão com os braços até acionar o apoio dos pés. Estica-se, por fim, confortável.
Estou aqui há mais de uma hora e ainda não vi o médico. Por fim oiço-o através da cortina do meu lado direito. Observa um miúdo. «Isto está mal, amigo. Desculpa mas a infeção tem de ser lancetada. Não há outra maneira», diz. Quando a mãe explica ao filho o que o médico acabou de dizer, este solta um berro de hiena. Entra numa histeria de palco. A mãe não consegue acalmá-lo e aquilo transforma-se num verdadeiro temporal. Ao cabo do minuto mais longo da minha vida, cala-se. Começo a respirar normalmente.
Silêncio. Volto a ler mas sinto os olhos pesados. Aborrece-me estar aqui. Gosto de movimento e esta infeção no pé, estranha e agressiva, força-me à imobilização.
Oiço um ruído e reparo no homem em frente. Tira um pacote da mochila, abre-o, e põe-se a comer. Mal o acaba, atira-o para o lixo e abre outro.
– Você traz nesse saco uma mercearia, hein?
Olha-me confuso.
– O quê?
Repito. Oferece-me um sorriso frio. Uma conversa, por muito banal, sempre ajuda a preencher vazios.
Continuo a ler. De repente a voz dele, amigável:
– Já tive casa há uns anos atrás. Agora não faz sentido ter mais do que isto – confessa, apontando a mochila.
Vive na rua há quatro anos, desde que a mulher morreu de cancro. Enlouqueceu com a sua perda: abandonou o emprego, a casa, as memórias mais íntimas de uma vida. Fugiu de si próprio.
– Ninguém merece um sofrimento daqueles. Ninguém.
Abano a cabeça, anuindo. É então que o médico, sorridente, aparece. Põe-se diante de mim com a minha ficha na mão, e pergunta:
– Que se passa consigo?
O sujeito com quem eu falava tosse, é um ruído por trás do médico e que se apaga por momentos da minha mente. Volta a aparecer mal o médico se afasta. Tem os olhos fechados, mas não dorme. Vigia o silêncio que arde dentro de si como uma lâmpada fundida.
Assim é por vezes o destino de um homem.

Nos hospitais há sempre uma ilha de histórias tristes
Eduardo Bettencourt Pinto

Eduardo Bettencourt. Ficcionista e poeta. Natural de Angola, com passagem afetuosa no Açores onde tem familiares e amigos. Vive em Vancouver e é de lá que se faz ouvir lindamente em textos poéticos: prosa e poemas. Brinca com as palavras, carrega-as de um lado com outro. Domina-as em seus multíplos significados que falam à alma. Abraça cada uma no seu jeito ímpar de ver a vida passar, de sentir o mundo. Gosto  muito de sua escrita que me chega em todas as estações e sempre cheia de Sol. Escrita belíssima,cheia de cromacia, movimento…
 Uma produção literária vigorosa representada por inúmeros livros,presença em antologias, revistas digitais (como a Seixo Review que criou,dirigiu por um longo tempo) e inúmeros colóquios e congressos literários.

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