Na longa colecção de estórias açorianas a que recorro de memória para entremear conversas e charlas quando o registo entra pela vertente Açores, tenho muito poucas estórias do Faial. Já contei a barraca que foi quando abordei esse tema uma vez num jantar da Fundação Faialense, em East Providence.
Curiosamente, nos últimos anos têm surgido vários livros de autores faialenses, cada qual a seu modo contribuindo para me demonstrar que o meu desconhecimento era pura ignorância. Que las hay, las hay; não estavam era escritas.
Estou a lembrar-me dos livros do Mário Frayão e do Manuel Leal, entre outros, e da longa série estórias que tenho ouvido ao José Duarte Silveira nos nossos encontros anuais na Horta e que também podem dar livro, pois continua a prometer escrevê-las, segundo ele, para os netos lerem. Quando publicar, nesse dia faço-me seu neto, para ter a certeza de conseguir um exemplar.
Em casa do Miguel Loureiro dei com um outro de autor para mim desconhecido, um tal Jorge Diniz, intitulado Salpicos (foto em anexo). Ao folheá-lo, percebe-se tratar-se de salpicos de memória.
Não tive tempo de lê-lo, mas o Miguel aguçou-me o bico e fui direitinho procurar as histórias que lhe ouvi.
É sobre um tio juíz. Num julgamento na Horta em que a ré era uma prostituta da famosa Rua Velha (nunca me esquece uma frase deliciosa de J. Marins Garcia, no seu romance A Fome, a referência às mulheres dessa rua incorporadas na procissão do Senhor dos Passos) se envolvera numa zaragata com algumas colegas de trabalho. O juiz perguntou-lhe qual a sua profissão e ela: Meretriz, sr. dr. Juiz. Notando-lhe a algo amilhentada idade e o ar já macilento, perguntou-lhe: No activo ou na reserva?
Uma outra do mesmo juiz num julgamento em que a defesa estava a cargo de um muito conhecido advogado local, famoso pelas suas intervenções pomposamente floreadas e sobretudo longas.
Falava havia já uma hora quando, apercebendo-se do seu abuso, pediu desculpa alegando o facto de se ter esquecido do relógio em casa. A reacção do juiz: Não se preocupe, ilustre causídico. Mas se reparar, mesmo aí à sua frente tem um calendário.
PS
Nem de propósito. Quando estive a dar umas voltas pelo Pico com o editor Hélder Beja, falei-lhe do muito que se publicava nos Açores, muitas vezes sem nunca chegar ao Continente ou nem sequer sair da ilha onde foi editado. Três dias depois, no Faial, a seguir ao lançamento de A Humidade dos Dias, estivemos os dois na Feira do Livro da Horta. O Hélder ficou logo ali com a demonstração empírica do que eu lhe dissera: quatro longas mesas de livros açorianos. Contei um pouco por alto (nada como números) e o total excedia os 400. (Fotos em anexo)