O Dr. José Enes Em Análise do Dr. Miguel Real
Introdução
A rectidão e talento intelectual de Miguel Real acharam ser de justiça dar a conhecer ao público a obra de um homem que, na obscuridade pessoal da sua humildade, passou uma vida inteira investigando e agindo, em termos simultaneamente concretos e universais, para o progresso e bem-estar comum da sociedade e da humanidade. Em Junho do passado ano de 2009, Miguel Real publicou o livro cujo título capta as três paixões de José Enes – José Enes-Poesia, Açores e Filosofia. Jorge Trigo, director da colecção de livros Fonte da Palavra, na qual se integra esta nova publicação, diz que Miguel Real “faz neste livro a justiça de dar a conhecer aos leitores a qualidade e originalidade da obra de José Enes, um dos maiores pensadores açorianos e um dos mais importantes filósofos portugueses do século XX”.
Miguel Real, filósofo, professor e escritor, é apresentado, em palavra de Prefácio de José Eduardo Franco, como “excelente romancista e arguto analista da nossa cultura e mentalidade… sem dúvida, é-lhe merecida a atribuição do cognome de valorizador ou reabilitador da memória dos grandes espíritos, das grandes obras e das grandes correntes…”. Neste livro, Miguel Real, de uma maneira metodológica e pedagógica conduz o leitor no itinerário biográfico, literário e filosófico do Professor Doutor José Enes Pereira Cardoso.
José Enes nasceu nas Lajes do Pico no ano de 1924. Estudou no Seminário de Angra e formou-se em escolástica tomista na Universidade Gregoriana de Roma (1945-1950 e 1964-1966). Dedicou a sua vida ao ensino, iniciando-o no Seminário de Angra. Mais tarde, foi professor fundador e Reitor do Instituto Universitário dos Açores e subsequentemente da Universidade dos Açores. Em Lisboa, foi professor na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade Aberta (1992-1994), de onde se jubilou como vice-reitor. Exerceu funções públicas de relevo e colaborou com varias universidades públicas portuguesas e estrangeiras. Autor de inúmeros artigos para jornais e revistas, publicou sete livros, entre os quais a sua tese de doutoramento: À Porta do Ser.
Poesia e Critica Literária
A poesia e a crítica literária de José Enes, durante o período de onze anos (1953-1964), não constituíram um compartimento estanque na sua vida. Pelo contrário, foram veículo de entrada no desenvolvimento da sua segunda paixão (açorianidade) através de leituras, associações e convívio com intelectuais. Esta preocupação pela açorianidade está presente no seu primeiro livro da colecção “Cadernos de Pensamento”. De importância, ainda, foi a sua identificação com a Geração Gávea que no dizer de Miguel Real “se estatuiu como uma das mais emblemáticas designações para a compreensão da história do movimento cultural dos Açores do século XX “ com colaboradores como Emanuel Félix, Rogério Silva, Almeida Firmino, Silva Grelo, Artur Goulart e José Enes. O convívio com os poetas Eduino de Jesus, Silva Grelo e Coelho de Sousa, assim como a análise da poesia de Cortes-Rodrigues, Roberto Mesquita, Ruy Galvão de Carvalho e Vitorino Nemésio veicularam José Enes a uma interpretação cultural de açorianidade através do “contacto e da vivência da história da poesia dos Açores”.
Desde o princípio, José Enes “procura um novo modo de fazer crítica literária. Está numa fase de ‘tanteamento’. “José Enes tenteia e tacteia o seu próprio caminho, utilizando palavras e expressões próprias, de evidente cariz filosófico…”. Mais tarde, a criação poética será, para José Enes, não uma “atitude diletante, mas uma função vital, uma tomada de consciência do seu (do poeta) papel no mundo”. Numa análise do artigo “Duas Tentações dos Poetas”, publicado em 1957, Miguel Real escreve: “evidencia-se o selo filosófico característico da sua crítica, e logo o autor estabelece a sua singularidade face ao programa da crítica literária portuguesa de fins da década de cinquenta do passado século”.
Em 1953, no suplemento cultural católico “Pensamento”, do jornal a “União”, José Enes culpa a “ reforma pombalina de educação…com um enciclopedismo fragmentário… e inexistência de uma mentalidade humanista” como a causa do “pouco contributo dado para a literatura universal pelos portugueses de há três séculos para cá”. José Enes “regista que tal facto se deve à inexistência de preocupação pelo homem concreto, encontrado na vivência dos dramas fundamentais de que tece a sua existência”. O conceito de “existência” torna-se fundamental na sua crítica literária e pensamento filosófico.
Retorno ao Humanismo
Há, pois, que retornar ao “humanismo” e José Enes toma passos concretos na realização deste objectivo: continuam os Cadernos de Pensamento, cria-se o Instituto Açoriano de Cultura e publicação da revista Atlântida e na primeira metade da década de sessenta, por iniciativa e orientação pessoal, estabelece um programa de acção através das Semanas de Estudos dos Açores que viriam a ter um impacto cultural incontestável em várias estruturas da sociedade açoriana.
Em 1954, José Enes afirma “a existência de uma genuína literatura açoriana” e regista-lhe características: “a presença do mar, saudade de longes nunca vistos e melancolia, acompanhados de um cuidado pelos mais humildes”.
As Semanas de Estudo dos Açores
As primeiras três Semanas de Estudo dos Açores foram secretariadas por José Enes entre os anos de 1961 e 1964 com o fim de “reunir especialistas ilhéus e nacionais sobre temas fulcrais dos Açores” – Nas palavras do seu secretário: “mais saber melhor viver”.:
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