O Espírito Santo Migrante – a Transnacionalidade Cultural.
Circunscreve-se, este artigo, ao universo das tradições religiosas do Espírito Santo, nas múltiplas manifestações etnográficas e culturais, presentes no Brasil, em decorrência do fenômeno migratório açoriano. É a festa da mobilidade, do Espírito Santo migrante, tomando a Diáspora Portuguesa como caso exemplificativo de um fenômeno social multifacetado, que permite numa abordagem histórico-cultural, apresentar ,inicialmente, um olhar sobre a mobilidade do Culto e da Festa do Espírito Santo na cartografia cultural brasileira.
Popularizado como “Culto ao Divino” constitui a maior expressão de transnacionalidade cultural, a partir da emigração açoriana do Séc. XVIII para o Sul do Brasil onde sua contribuição foi fundamental na formação da identidade. Pode-se afirmar que por seus múltiplos significados é lídimo B.I. da Cultura Açoriana no Sul do Brasil.
Sua intensa comemoração alimenta uma tradição secular que, mesmo modificada na passagem do tempo, se faz sentir em plenitude no estado de Santa Catarina. A Festa do Divino Espírito Santo em terras catarinenses retrata a variedade das apropriações dos sentidos de pertença a uma mesma herança cultural. Os novos conhecimentos combinam-se e recombinan-se aos símbolos e as marcas de pertença, colocando em marcha um conjunto de mudanças e valores culturais, promovendo uma nova configuração a sua celebração na comunidade em que se insere.
A cada novo ciclo do Divino pode-se observar as muitas faces dos diferentes rituais que se reproduzem sem, contudo, se afastarem da essência do louvor ao Espírito Santo, uma devoção herdada e transmitida de geração em geração. O celebrar será sempre singular – seja lá no Império do Monte na Ilha das Flores, “na partilha do pão da vitória”, “na benção das rosquilhas” da Ilha do Pico, “nos quartos do Espírito Santo” de São Miguel, na cantoria dos foliões na freguesia de Santa Bárbara, na Ilha de Santa Maria; seja nas novenas cantadas pelos foliões do Ribeirão da Ilha e Pântano do Sul, na elegante coroação da Palhoça, na plena vivência da tradição no bairro do Estreito, na 240º Divina Festa do Divino de Florianópolis, nas Festas do Divino de Penha à Jaguaruna, norte-sul catarinense.
É o Espírito Santo migrante que veio dos Açores e sua expressão na diáspora. Na América do Norte : a bandeira encarnada, as procissões das coroas, a coroação, as paradas da América com suas “Queens” e capas ricamente bordadas, fruto de promessas e graças alcançadas, a tradicional sopa servida a toda a gente, nas comunidades da Califórnia, Fall River, Toronto, Montreal. Ou, aqui, na América do Sul na grande celebração festiva em louvor ao Divino que a cada ano se repete com igual fervor e fé do povo que a promove, numa grande partilha fraterna e única.
As Festas do Espírito Santo têm importância primordial na formação do corpo social açoriano e identificam de forma extraordinária a vida cultural daquelas sociedades onde a sua presença representa um passado distante, uma geografia de afetos, uma história comum, uma indelével herança com 268 anos em Santa Catarina, no Sul do Brasil.
Uma veneração que chegou aos Açores nas caravelas dos Descobrimentos, em meados do século XV, com os primeiros povoadores, atravessou os mares do tempo e aporta no século XXI como uma tradição religiosa forte, herdeira de um patrimônio simbólico que consubstancia o imaginário insular. Onde a partilha do espírito comunga com a partilha do pão, do vinho, da carne revivificados no festivo e solene ritual espelhado, de forma singular, em cada Ilha, Concelho, Freguesia e “coroação”.
Conhecer a história do culto e das festas em honra ao Espírito Santo é o mesmo que estudar a história de um povo com suas lutas, esperanças e conquistas ante as vicissitudes da vida. É penetrar numa complexa rede de inter-relacionamentos, traduzidos na unidade, na identidade do “ser açoriano” que ultrapassam os limites do espaço arquipelágico e alcançam as terras de emigração, nas numerosas comunidades da diáspora, do Brasil, dos Estados Unidos da América e do Canadá.
Afinal, ELE é um migrante pelo mundo repartido.
Lélia Pereira da Silva Nunes