O Legado Português na Califórnia
DINIZ BORGES (*)
É verdade o congresso da Luso-American Education Foundation está à porta. O tema para este ano, já mais do que conhecido é: O Legado Português na Califórnia. Durante 4 dias, na pequena e pacata cidade de Tulare, no centro do condado que tem a segunda maior produção agrícola nos Estados Unidos, com vendas no valor de praticamente 4 biliões de dólares (são 4 com muitos zeros), realizar-se-á uma amalgama de eventos com o objetivo primordial de se celebrar e refletir o nosso legado cultural. A nossa presença neste estado que data meados do século dezanove. Este legado que se quer passar às futuras gerações.
O programa do congresso anda por aí na nossa comunicação social de língua portuguesa em todo o país e nos Açores, nos órgãos da comunicação social de língua inglesa na zona de Tulare, nas redes sociais, em panfletos e de boca em boca. Porém há que destacar os objetivos deste congresso. É que os congressos da LAEF têm a particularidade de serem polifacetados. Daí que para a edição de 2015 a comissão organizadora optou pelos seguintes objetivos:
1. Promover, no seio das comunidades luso-americanas, e na comunidade americana em geral, dentro e fora dos sistemas de ensino publico e privado, o legado cultural dos emigrantes portugueses que se estabeleceram nesta zona da Califórnia e que tanto têm contribuído para o seu desenvolvimento económico, cultural e mais recentemente político.
2. Oferecer aos luso-descendentes um contacto direto com as suas raízes culturais através de sessões de trabalho que focarão a história, a genealogia, a música, a literatura, a sociologia, os estudos identitários, o documentário cinematográfico, as tradições populares e a gastronomia.
3. Celebrar a nossa memória coletiva, o nosso legado cultural, com a presença de jovens profissionais, através de depoimentos e debates sobre o estado das nossas comunidades, e como amplificar a nossa presença no mundo norte-americano e uma maior participação dos jovens na vida comunitária, estabelecendo e fortalecendo pontes entre a geração emigrante e as segundas e sucessivas gerações.
4. Apresentar uma oficina de trabalho especificamente dirigida a professores de línguas, em que os professores de língua portuguesa (do ensino publico e privado) terão oportunidade de aprender ou aperfeiçoar as metodologias e técnicas de ensino que fazem parte do sistema deste estado, utilizado nas escolas do ensino primário e secundário americano, com linguagens, metodologias e formatos que são adequados e em consonância com a realidade da Califórnia e por formadores preparados nos EUA e com conhecimentos teóricos e pragmáticos.
5. Festejar as artes nas nossas comunidades, particularmente a literatura, com criadores e editores ligados ao nosso mundo criativo, havendo espaço para testemunhos e partilha de experiências e leitura de trabalhos na poesia, na ficção narrativa, na crónica e no ensaio literário.
6. Difundir os cursos de língua portuguesa nas escolas privadas e públicas e as associações estudantis de alunos luso-descendentes, dotando os nossos jovens alunos das ferramentas necessárias para serem líderes dinâmicos e no seu quotidiano, promotores da identidade portuguesa em terras americanas. Estabelecendo-se pontes entre os vários setores do ensino da língua portuguesa: ensino primário, secundário e universitário.
7. Comemorar, reconhecer e homenagear instituições e personalidades que têm promovido a língua portuguesa em terras californianas, intercâmbios culturais, elevado a presença portuguesa a outros patamares e construindo pontes entre Portugal e as comunidades.
Estas são as linhas de conduta do XXXIX congresso que em poucos dias reunirá uma mescla de homens e mulheres ligados ao ensino da língua portuguesa na Califórnia, ativistas culturais, escritores e poetas (nas nossas duas línguas), dirigentes do nosso movimento associativo, diretores escolares, jovens profissionais luso-descendentes e alunos dos cursos de língua e cultura portuguesas das escolas do centro da Califórnia, num dia dedicado à juventude lus,a na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno. Esta faculdade tem uma população estudantil na ordem dos 22 mil alunos. A visita dos alunos, que tem acontecido em outros congressos e em outras universidades, tem algo inédito: o Presidente da Universidade, Dr. Joseph Castro, receberá a nossa juventude e fará uma intervenção dedicada aos jovens alunos que serão provenientes das escolas secundárias de Tulare, Hanford, Hilmar e Turlock.
Ao longo destes 4 dias celebrar-se-á o nosso legado cultural português na Califórnia com exposições, comunicações, oficinas de trabalho, depoimentos, debate e convívio. É um evento da comunidade, para a comunidade. Os oradores, os orientadores das sessões, os intervenientes em mesas redondas, todos mas mesmo todos, disso tenho a certeza, darão o seu melhor, para que os participantes saiam mais enriquecedores. É que as nossas comunidades são multifacetadas. Aliás, como quem frequentar o congresso poderá verificar, se quiser ver sem preconceitos e arrogâncias, temos, por aí, às vezes sem darmos por isso, gente extremamente talentosa. O congresso está organizado para que todos possamos comemorar, refletir e aprender. E aprende-se de muitas maneiras. Não é só apresentando um trabalho, uma sessão ou um depoimento que se aprende. Aprende-se estando nos eventos e falando, descomplexadamente com as pessoas.
Há ainda a registar uma singularidade deste congresso de 2015. Ao longo dos últimos anos, depois de mudanças estruturais em muitos distritos escolares, o congresso passou a utilizar, e ainda bem, as universidades e as escolas. Nos últimos 15 anos, os congressos têm sido realizados, nas universidades de San Jose, Berkeley e Stanislaus, e na escola secundária Tulare Union High School. Tulare, certamente, que se orgulha desta realidade: ser a única comunidade a organizar o congresso numa escola secundária. Por sinal, o distrito escolar do ensino secundário, com o maior número de alunos inscritos em cursos de língua e cultura portuguesas: 415 alunos. Há ainda a salientar, que em Tulare, há sempre, e ainda bem, o apoio da maioria das nossas associações, com parcerias, tal como acontece este ano, com o Centro Português de Evangelização e Cultura, a Tulare-Angra Sister City Foundation, o SPDES de Tipton e a mão amiga do Tribuna Portuguesa, do Portuguese Studies Program da UC Berkeley, do Nelson Ponta-Garça Productions, da Rádio Portugal/USA e programa Voz dos Açores.
Tal como a comunicação social também já informou, teremos connosco, ao longo do congresso, várias entidades provenientes de Portugal e do mundo político americano. Todas foram convidadas para estarem connosco e para, também, aprenderem connosco. Este congresso é sobretudo uma reflexão sobre as várias vertentes das nossas comunidades. Daí que para além de estarmos felizes por recebermos um abraço das nossas terras de origem, e de entidades dos governos, nacional, regional e municipal, é importante que nos queiram escutar. É imperativo que saibam que nas comunidades há gente formada e apta a intervir em todos os campos do conhecimento, e que acima de tudo, conhecemos bem as nossas vivências e somos capazes de traçar o nosso destino. É tempo que nos conheçam para além da efemeridade da festa e da romaria.
Aí está pois o congresso da Luso-American Education Foundation, que ocorre há 39 anos e que desde sempre foi feito com a boa vontade, o trabalho e a dedicação de meia dúzia de carolas, que chateiam outros tantos nas suas respetivas comunidades, e que durante vários meses dão todo o seu tempo livre para esta causa. O congresso é feito por voluntários. Se nos primeiros anos havia a boa vontade dos distritos escolares em doarem alguns dos seus recursos, com o passar
dos anos, são as comissões locais, que fazem angariações de fundos, vendem anúncios e aborrecem os amigos e familiares com a venda de bilhetes para a rifa e importunam os seus amigos e colegas para conseguirem os fundos que paguem as despesas de um evento desta natureza. É a comissão local que escreve as cartas, faz os projetos e bate à porta das instituições em Portugal, como a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD), sem a qual este não seria o mesmo,o Governo dos Açores e o Instituto Camões. São as comissões locais, que em trabalho voluntário, feito antes e depois das suas obrigações profissionais, assolam as suas vidas pessoais durante alguns meses para trazerem à Luso-American Education Foundation um congresso anual que marca a comunidade e destaca a LAEF, os seus membros e os seus diretores, assim como a sua organização irmã a LALIS.
Eis o 39º congresso, com a certeza que terá as suas imperfeições. Como se sabe, não há congressos perfeitos, nem tão pouco os que são abençoados por ou realizados em nome, das divindades. Aí está para que a comunidade tenha um pequeno (mas único) espaço para refletir o seu/nosso legado português na Califórnia. Porque o congresso é feito para a comunidade. Esta comissão (como outras no passado) não está muito preocupada, e ainda bem, em impressionar o poder (independentemente da cor politica) no lado de lá do atlântico. Esse pormenor não está nos objetivos.
Por último, há 29 anos que sou frequentador destes congressos, mesmo antes de estar no ensino frequentava-os e aprendia, sempre. Desde os meus tempos na comunicação social, portanto desde a década de 1980, com algumas raras exceções, ora por obrigações profissionais ora por estado de saúde, que todos os anos faço esta peregrinação cultural. Cada vez que estou na organização de um congresso relembro as palavras sábias do meu saudoso amigo Abel Alves de Artesia. Ele também um frequentador assíduo e coorganizador de vários congressos: sabes, se estes congressos nos dizem muito sobre quem os frequenta, acho que até dizem-nos mais sobre aqueles que não aparecem. Sei que o Abel estará presente!
_______________________________________-
Nota: Sobre o autor DINIZ BORGES:
Diniz Borges,açoriano,natural da Ilha Terceira, é um professor de línguas Português para Tulare Union High School e Presidente do World Languages Department. Diniz Borges é Bacharel em Arts em Ciências Sociais pela Chapman University (Magna Cum Laude) e Mestre em Arts in Humanities pela CSU Dominguez Hills (Magna Cum Laude). Sua atuação na Comunidade é de inegável valor e reconhecimento por toda comunidade portuguesa da Califórnia e não só. Destaca-se: atuação no Programa:Os Portugueses no Vale (KNXT-Channel 49-Fresno, CA), Conselheiro do Governo Português para Assuntos de Emigração e das Comunidades Portuguesas nos Estados Unidos, Membro do Conselho de Administração do Portuguese Heritage Publications of California, Membro do Conselho Consultivo da Fundação Luso-Americana para a Educação, e atuou no Conselho do Concordia Portuguese Language Summer Course.É Presidente do North American Portuguese Teachers Association (eleito por três mandatos consecutivos).
Diniz Borges é escritor com intensa colaboração para os jornais Açoriano Oriental (Ilha de São Miguel) e Diário Insular (Ilha Terceira) e para vários jornais de língua portuguesa,luso-americanos e canadenses, como o Luso-Americano, Portuguese Times e,sobretudo, o Jornal Portuguese Tribune,de San Jose, California, onde é Coordenador da excelente página de Literatura Maré Cheia,dando espaço e voz para escritores das mais diferentes e distantes geografias.
Além de ser um considerado Autor, têm desenvolvido e realizado relevantes trabalho de difusão cultural e na área de Educação na comunidade portuguesa. Por toda sua importante trajetória foi distinguido com a Medalha de Mérito do Governo Português por serviços prestados em favor do Português e da Cultura na Central California; com a outorga do Título Portuguese-American Citizen of the Year by the Portuguese-American Heritage Association in Tulare; Azorean Outstanding Language and Cultural Promoter living in the United States,uma distinção dada pelo Governo Regional dos Açores, e do Português e Prêmio Cultura da Fundação Luso-Americana para a Educação.