O lirismo do velho Braga
Não há pergunta mais crônica no dia-a-dia de um cronista do que a pergunta “O que é uma crônica?”. Ora, a tentação é responder como Gertrude Stein, em sua famosa frase reticente: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”. É só colocar “crônica” no lugar de “rosa”.
Como, aliás, fez um dia Carlos Drummond de Andrade, dublê de poeta imortal e de cronista memorável. Fernando Sabino, mestre do gênero, defendia a descontraída senhora dos que insistiam em rotulá-la como uma espécie de literatura auxiliar. Afinal, uma boa crônica tanto pode ter a brevidade da história curta, como a eternidade de um miniconto de Jorge Luís Borges. Depende da “idéia” e da “roupa” com que ela se apresenta.
O Humor deve ser o seu principal instrumento. O cronista precisa valer-se da quebra da lógica (Bergson) e do paradoxo. Além dessa natural leveza e bom-humor, a boa crônica deve perseguir uma certa simplicidade, sem parecer simplória.
Uma pena que a crônica tenha diminuído suas doses de lirismo e amplificado temas factuais, baseados na infeliz realidade brasileira. Temas “piegas”, ou simplesmente ingênuos, como os que consagraram o velho (Rubem) Braga, por exemplo, hoje já não seriam curtidos.
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Como este texto limpo e irretocável, que fala de uma “Boa manhã”:
“Apenas passei os olhos pelos jornais; jogo-os fora, alegremente, porque eles pretendem dar-me notícias de muitos problemas, e eu não tenho nem quero problema nenhum.
Acordei um pouco tarde, abri todas as janelas para o sábado louro e azul, e o mar me deu bom-dia. Passa um pequeno barco branco no mar de safira: como vai ligeiro, como vai contente, com seu bigodinho de espumas brilhantes! Uma ave se detém um instante peneirando, depois mergulha na vertical em grande estilo; quando volta, um pequeno peixe brilha em seu bico.
Chupo uma laranja, e isso me dá prazer. Estou contente. Estou contente da maneira mais simples – porque tomei banho e me sinto limpo, porque meus braços e pernas e pulmões funcionam bem; porque estou começando a ficar com fome e tenho comida quente para comer, água fresca para beber”. (…)
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Bons e felizes tempos. Quando um cronista podia eleger trivialidades por assunto e ainda assim produzir pequenas obras primas.
Hoje, o velho e imortal Braga seria acusado de evitar o mundo feio em que vivemos.
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