• O Livro Vive
Sérgio da Costa Ramos
Na véspera de uma nova Bienal do Livro, perguntaram ao editor Roberto Feith (Objetiva) se ele achava que o velho caderno de folhas impressas, chamado livro, ainda teria alguma sobrevida com o império dos meios eletrônicos.
Feith tem fé que sim. O livro tradicional vive, não apenas sobrevive.
Os Ipads estão chegando, mas em dois anos de vida ainda não se massificaram, até pelo preço salgado. E os Kindles, o equipamento-leitor do livro virtual, demorarão ainda uma geração para alcançar preços palatáveis.
A grande transformação dos próximos anos será a massificação das novas mídias, o que poderá, aí sim, limitar os meios tradicionais.
Mas o livro tem um parentesco inalienável com a história da leitura. Leitor voraz e ciumento, um grão-vizir da antiga Pérsia carregava sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética.
No século 14, uma mulher da nobreza francesa se afeiçoou de tal maneira aos seus livros que deles se tornou “viciada”. A Condessa D’Artois viajava com sua biblioteca em grandes malas de couro e, à noite, uma dama de companhia lia para sua ama uma obra filosófica ou algum relato que contivesse a emoção da “aventura” – As Viagens de Marco Pólo, por exemplo.
Ter um livro em casa era “chamar” a família e até a vizinhança para dele desfrutar, como se fossem os aparelhos de televisão dos anos 1950: juntavam-se na mesma sala as pessoas da família e até os estranhos, os chamados “televizinhos”.
Reunir-se para ouvir alguém ler tornou-se uma prática comum na Idade Média, depois da invenção da imprensa, por Gutenberg, em Mainz, Alemanha, 1450. Famílias liam em grupo, geralmente antes do jantar – e até durante alguma pantagruélica refeição, Festas de Babette para motivar outros sentidos além da audição.
Alberto Mangüel – que na infância lia para o cego Jorge Luís Borges – revela em seu livro A História da Leitura que ler “à mesa” não tinha a intenção de “distrair as alegrias do paladar”. Não. A idéia era juntar os dois prazeres:
– A leitura era mais um “prato”. Realçava a alegria do palato com uma diversão criativa, uma prática herdada dos tempos do Império Romano.
Como se vê, o livro já desempenhou papéis muito mais importantes no dia a dia da família, hoje obsedada pela caixinha eletrônica da televisão.
Ler é, talvez, o maior dos atributos do ser pensante e a joia mais cintilante de toda a engenharia intelectual. Ler é tão importante quanto cada um dos outros cinco sentidos.
Deixar-se obsedar pela tevê é que é uma atitude reflexa e passiva, em que até as emoções já vem prontas e embaladas, com os risos e os aplausos embutidos..
Ler, sim, é que é um belo exercício de imaginação. Não deixa de ser uma forma diferente do leitor ligar a seletiva “televisão” que habita o seu cérebro.
Uma tevê inteligente e colorida, cuja programação nunca se repete, pois o canal da imaginação é de uma novidade infinita, um múltiplo caleidoscópio – com o apuro e a definição de uma tevê digital.
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Sérgio da Costa Ramos,um dos mais renomados e prestigiados cronistas do Sul do Brasil. Um nome que já atravessou as fronteiras da imprensa regional e navega livremente por outros mares. Culto,elegante. Crônicas com humor,sabor,picardia e leves no fluir…Gosto muito das crônicas do Sérgio.