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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de “O meu mundo não é deste reino”  (1/2) IRENE AMARAL
Comunidades 14 fev, 2010, 00:07

“O meu mundo não é deste reino” (1/2) IRENE AMARAL

     "O meu mundo não é deste reino"  (1/2) IRENE AMARAL

     O meu mundo não é deste reino de João de Melo constitui-se como o registo da fixação de uma comunidade rural micaelense que teve a oportunidade de viver de um modo dinâmico a sua instalação, pelo que os seus habitantes puderam testemunhar dois paradigmas científicos. Num primeiro momento, erigem a sua “máquina” social, civil e religiosa. No entanto, com o passar dos anos a emergência progressiva da afirmação do indivíduo e a vocação dos círculos de poder espiritual e administrativo para subjugarem o Outro contribuem em si mesmos para a auto-falência do projeto de domínio de uns sobre os outros. Em simultâneo, a tecnologia e o desenvolvimento de estruturas viárias começam a promover a ligação a outras comunidades da ilha. E tudo se complica quando a máquina-pássaro embate no Pico da Vara, porquanto a destruição desse avião e a morte dos passageiros desse voo fatídico são mais uma prova da existência de um mundo moderno que se torna visível a estes açorianos a partir daquele momento, um mundo que não é daquele reino.
     O espaço mítico-histórico onde decorre a ação realiza-se na confluência de forças opostas. No início da narrativa o discurso é informado por valores bíblicos e medievais, simultaneamente genesíacos e apocalíticos; numa abordagem histórica da fundação da freguesia, em que o tempo que antecede o das afirmações de João-Lázaro se define como um tempo de medo devido às memórias traumáticas do passado. O resumo que antecede o primeiro capítulo explicita os marcos simbólicos daquele espaço:

          E eis a morte, a numerosa, miúda e aflita morte de   um povo com os seus ratos e aranhas; a prova do grande choro dos animais e o mar branco de Cadete, o curador; a sífilis irónica de sua santidade, o padre Governo, passando pela história de Sara, a santa, e de todos os seus – até os episódios da vida, morte e ressurreição de João-Lázaro, primeiro mendigo e, depois, profeta da Bíblia nos Açores.

     Nestas linhas introdutórias – inscritas numa página não numerada – encontramos os dois espaços de fronteira do ambiente que rodeia esta comunidade. De um lado posicionam-se a morte e o medo de um povo e do outro, o discurso delibertação de uma nova leitura do texto bíblico pela boca de João-Lázaro. Ele é o mendigo e profeta regressado a um presente-passado a partir do futuro. Assim sendo, a voz narrativa afirmar-se-á na capacidade de distanciamento de um “eu/meu” em relação a “este/deste” expresso desde logo no título O meu mundo não é deste reino. Na verdade, o projeto aparece logo definido no título da responsabilidade do autor, pelo que acontece a sobreposição de voz autoral com a da voz narrativa; ou seja, porque se previligia um uso da perspetiva narrativa de natureza existencial ou ontológica, o processo é manipulado pela ironia do autor intruso capaz de afirmar logo no início do primeiro capítulo que “NAQUELE TEMPO, A FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DO ROZÁRIO DA ACHADINHA NÃO ERA MAIS DO QUE UMA CAGANITA DE MOSCA, À QUAL SE APONTASSE UM DEDO ACIMA DO DORSO QUASE SEMPRE VERDOSO DO ATLÂNTICO” (11). É assim que pela sua insignificância de “caganita de mosca” no dorso de um animal chamado Atlântico esta freguesia se vai afirmar como terra escolhida – entre real e imaginária – como estratégia para se chamar a atenção para o vulgar, no sentido baixo. A que se acresce uma preferência por personagens de traços anacrónicos e por situações estranhas, se o leitor se distrair da etimologia cultural e histórica.
     Os estratagemas narrativos desta obra permitem enquadrar o seu discurso num paradigma de escrita pós-moderna. John MacGowan no seu artigo “Postmodernism” integrado em The John Hopkins Guide to Literary Theory & Criticism chama a atenção para o facto da produção artística pós-moderna se preocupar com as condições locais e recusar critérios universais. E no que se refere ao olhar perante o objeto de arte, o pós-modernismo não propõe algo de novo, mas sim uma atenção e interesse por características do passado que pareciam ignoradas até agora. Isto é, o pós-modernismo propõe uma complexa releitura da história sob o questionamento da tradição ocidental, pelo que emergem vozes até agora caladas. E McGowan termina, afirmando a nova prevalência de vozes não-ocidentais que produzem perspetivas diferentes das que o ocidente tem de si próprio e do seu passado. Neste sentido, cabe no conjunto de vozes pós-modernas a de um discurso com origem na periferia ocidental. Como tal, este discurso açoriano d’O meu mundo é pós-moderno, atendendo a dois critérios: é-o, porque surge num contexto de afirmação autonómica, face a uma administração central continental num período de pós-ditadura – sem deixar de ser um discurso da República Portuguesa; e em segundo lugar, os acontecimentos narrados e refletidos situam-se ao nível do questionamento de valores que informam um passado civilizacional cristão e europeu e um futuro tecnológico e anglófono.
     Os capítulos XII e XIII são particularmente esclarecedores do conflito que dá corpo à narração d’O meu mundo. Isto é, aqui é resolvido o triângulo formado pela prevalência da ideia de morte ao longo do romance, a par uma crença na conquista tecnológica e o aparecimento, morte e ressurreição de João-Lázaro. Este mundo ilhéu parece ter a chave do seu mistério no conceito de “purgatório,” como espaço intermédio e instigador de dinâmicas geográficas de um “outro mundo,” que pode ser o que está para além da morte física ou da morte-esquecimento. Pelo que, esta é também a história de ilhéus açorianos de uma freguesia completamente periférica no seio de uma região já de si periférica em relação à entidade abstrata, -ou talvez nem tanto – que é o “Governo,” num tempo extenso. Jacques Le Goff em The Birth of Purgatory define o purgatório como um espaço católico surgido no século XII, depois de uma complexa sintetização de influências culturais pela voz de diferentes teólogos. Não sendo o purgatório um espaço mencionado na Bíblia, afirmou-se com base em valores espirituais e societais de um tempo em que se assiste ao começo do desenho de uma classe média entre os poderosos e os pobres, o clero e os leigos. Assim, o purgatório aparece numa posição intermédia entre o inferno e o paraíso, entre um tempo terrestre e um tempo escatológico. Se, por um lado, o purgatório permite pensar um potencial percurso de ascensão na vida depois da morte, por outro, a sua institucionalização promoveu o sentido de dependência dos mortos em relação aos vivos e uma consequente afirmação do poder negocial da Igreja sobre os indivíduos (12). A Igreja e os vivos passam a ter o poder de apressarem o processo de purificação dos mortos através da oração ou da contribuição material, sob a forma de esmola e de doação. 

     (cont…)

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