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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de O OUVIDO – Mário T Cabral
Comunidades 21 mai, 2014, 17:09

O OUVIDO – Mário T Cabral






ESCUTAR

Mário T Cabral, 18 de Maio AD 2014

Parece que se deve continuar a falar com os doentes de Alzheimer, mesmo quando já se assemelham a simples autómatos; e parece que reagem melhor à voz das pessoas mais próximas do que à dos estranhos. Parece que a mesma prática é válida para com as pessoas em coma; elas próprias o confirmam, depois – aliás, o mesmo se passa com aqueles que regressam da morte clínica. Sabemos que as crianças ouvem dentro de suas mães. Estes factos parecem apontar para a radicalidade do sentido da audição na definição da essência humana. Perpassa por aqui o sublime da linguagem e, por conseguinte, do sentido e da alma.
          Quanto ao top dos sentidos, nós temos uma herança dupla: por um lado, a Grécia privilegiou o olho e o ver; por outro lado, a Bíblia opta claramente pelo escutar. O olho é ativo, por assim dizer, enquanto o ouvido é passivo. Saímos de nós pelos olhos, apreendemos o mundo, desenhamo-lo, objetivamo-lo. O olho domina. Não se deve olhar diretamente para um animal estranho porque, no mundo natural, é assim que o predador olha a presa. Como que diz: “Estás morta” (armas e máquinas fotográficas têm “mira” e “objetiva”). “Não olhes, não olhes. Segue sempre sem olhar”, aconselhavam-nos os mais velhos, na infância, quando nos cruzávamos com cães desconhecidos. E nas culturas orientais a mulher não deveria levantar os olhos, em sinal de subserviência. Baixamos os olhos diante do Santíssimo e no ato de Consagração.
          Ao contrário, o ouvido é uma taça, um cálice por onde o mundo entra (neste ponto, assemelha-se ao nariz). O mundo entra, mas nós não saímos pelos ouvidos, como saímos pelos olhos. O ouvido é feminino, até se “engravida pelos ouvidos”. Há, ainda, uma outra grande diferença entre olho e ouvido: o olho está ligado à inteligência, ao intelecto (“Estás a ver a coisa, não estás?!”); ao invés, o ouvido é moral: “O rapaz não ouve!”, queixa-se o pai do filho rebelde. Uma pessoa pode pecar com os ouvidos; mas é mais comum fazê-lo com os olhos. Ulisses é avisado para se precaver do canto das sereias, entupindo os ouvidos com cera. Também os doentes mentais, tal como os místicos, dizem ouvir vozes… tentações ou con-vocações? Voltando à Bíblia, o profeta é aquele que ouve Deus, não tanto aquele que O vê –  aliás, não se pode ver a Deus e continuar vivo. Mas Ele fez-Se Logos, Verbo, Voz, Palavra, dom das línguas.
          Ouvir e escutar não são bem sinónimos. Ouvimos sem querer mas pomo-nos à escuta por querer; escutar implica, pois, um ato de vontade: a pessoa que escuta quer ouvir, quer decifrar a mensagem, compreender o canto, obedecer livremente. Havia um velho ditado que afirmava: “Mulher séria não tem ouvidos”. Isto é: os ouvidos estão sempre ligados, mais do que os olhos, pois captam de todos os lados (mesmo no escuro do ventre materno, mesmo debaixo de água) …  mas só se põe à escuta quem quer.
          As aves não pintam quadros, mas cantam; com elas grilos, cigarras, golfinhos… Poderia concluir-se pela superioridade humana, que tem mãos. Mas os anjos também não pintam nem fazem esculturas, embora toquem instrumentos musicais. De resto, a música está por todo o universo, até os astros – que são pedras – faziam música, a Harmonia Mundi dos antigos. Diz-se que as vacas produzem mais leite ao escutar Mozart.
          Obsculta, o fili, praecepta magistri, et inclina aurem cordis tui – assim começa S. Bento a sua Regra: “Escuta, filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração”.

Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor. 
Imagem de http://www.oreillemudry.ch/art-et-oreille/ 
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