O que se diz dos Açores!…
Numa viagem virtual pelos atalhos da Internet, encontram-se informações sobre os Açores absolutamente fantasiosas. Para todos os gostos… ou desgostos.
Há por exemplo um sítio francês, da responsabilidade de uma organização de ajuda aos países pobres da África, que nos põe no primeiro lugar da lista, elaborada por ordem alfabética. Mas, dito por uma nossa Direcção Regional da Cultura de há vinte e tal anos, pode ler-se que a música do hino dos Açores foi escrita por Teófilo Frazão! Outros sítios copiaram a informação, e o erro multiplicou-se, enevoando a verdade e a memória de Joaquim Lima, regente da banda Marcial Bom Jesus, de Rabo de Peixe, que o tocou pela primeira vez em 1864. Não haverá alguém que lhe devolva a autoria?
Um dia destes o meu amigo Manuel Estrada, médico no Cartaxo, descobriu um sítio do departamento de cultura de um simpático município brasileiro. Lá se dizia que o povoamento dos Açores foi feito à base de criminosos, mendigos e velhos. O pior é que mesmo entre nós não falta quem tenha a ideia de que os primeiros açorianos foram sobretudo foragidos. Não imagino como nasceu a lenda. Gaspar Frutuoso deixou a lista dos principais entre essa gente, que pertencia à melhor fidalguia do Reino. É verdade que alguns condenados foram mandados para cá, mas não se tratava sequer de grandes criminosos, porque esses eram castigados com a forca, membros decepados ou, mais tarde, desterro para S. Tomé, o mais terrível dos exílios. Entre os que vieram cumprir tal pena para Santa Maria, conta-se, por exemplo, uma menina de dez anos, condenada por ter matado, acidentalmente por certo, uma criança.
E será que vieram velhos, como constava no tal sítio? Trata-se com certeza de confusão com o nome da ilustre família dos Velhos, pois que vários foram os familiares de Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, que se lhe juntaram em Santa Maria, mas todos homens na força da vida ou muito jovens mesmo. Pobres também vieram, naturalmente, para todos os trabalhos que os fidalgos não faziam. Mas não mendigos, com certeza. E, se eram mendigos no Reino, cá deixaram de o ser.
No mesmo sítio dizia-se que para a colonização do Brasil, a meados do século XVIII, foram enviados muitos velhos e doentes. Pura invenção. Perderam-se todas as relações de emigrantes, mas, a serem cumpridas as exigências da Coroa, os homens não teriam mais de quarenta anos e as mulheres trinta.
O problema parece estar na existência de duas correntes no Sul do Brasil. Uma que vai mantendo e reavivando as suas raízes açorianas, de que se orgulha, outra que vê nesses mais de seis mil emigrantes a razão de algum atraso do Brasil meridional. Em contraponto, a colonização italiana, e sobretudo a alemã, seria a de todas as virtudes.
Ora os açorianos foram pioneiros absolutos. A sua função principal foi assegurar a presença portuguesa nas fronteiras com as colónias espanholas, garantindo o cumprimento do tratado de Madrid. Para isso, tiveram de suportar dificuldades sem conta. Se o clima não lhes era adverso, já os terrenos agrícolas eram totalmente distintos dos nossos. Tratava-se de solos sedimentares, menos férteis do que os vulcânicos das ilhas, que não permitiam a maior parte das culturas a que estavam habituados, a começar pelo trigo, o que os obrigou a aprenderem a usar a farinha de mandioca.
Foram eles que desbravaram. Quem veio a seguir já encontrou um ambiente propício à prosperidade cujo mérito há quem queira atribuir-lhe em exclusivo.
Como nota final, diga-se que a Drª. Lélia Nunes, informada por mim a respeito dos erros do sítio referido, escreveu de imediato ao prefeito. E este também de imediato respondeu. As informações sobre o povoamento dos Açores e a colonização do Sul do Brasil por açorianos foram apagadas, enquanto que a Drª. Lélia Nunes foi convidada para colaborar na reposição da verdade.
Daniel de Sá