O Seminário de Angra Valeu a Pena
Nuno A.Vieira
Coordenado por Artur Goulart Melo Borges, Olegário de Sousa Paz e Onésimo Teotónio Almeida – três nomes conhecidos no mundo artístico-literário – o Instituto Açoriano de Cultura acaba de publicar o livro Casa Santa, Mimosa…Olhares sobre o Seminário de Angra 1950-1970, álbum comemorativo do sesquicentenário da fundação dessa instituição. Com 240 páginas e inúmeras fotografias, a presente publicação é isso: um livro e um álbum, onde em texto e fotografia, antigos alunos do Seminário registam o bom e o mau, o positivo e o negativo das suas experiências, naquela instituição, durante as décadas dos anos 50 e 60 do século passado, período considerado áureo na vida daquela Casa. Trata-se de um testemunho de orgulho e apreço.
O POSITIVO. O rol das experiências positivas começa por ser um conjunto de dados históricos. O aluno orgulha-se da tradição académica do Seminário. A visão, competência e acção dos professores do Seminário repercutiram-se, de várias maneiras, no Seminário, na cidade de Angra, nos Açores e por demais partes do mundo – Um estudo intenso de Filosofia e de Teologia fez do Seminário, a primeira instituição de ensino superior nos Açores. Parafraseando o testemunho de Cunha de Oliveira, as Semanas de Estudo, com os olhos fitos na realidade açoriana, e não apenas distrital, foram mesmo fruto da intelectualidade e da dinâmica cultural do Seminário Episcopal de Angra e é ao mesmo Seminário, enquanto instituição cultural, que o IAC deve a sua existência. Recorde-se ainda o aparecimento da revista Atlântida como órgão oficial do Instituto Açoriano de Cultura.
A vida académica do Seminário ultrapassava a sala de aula, com a apresentação de trabalhos de carácter literário, filosófico, teológico, histórico e de criatividade poética e musical. Convidavam-se oradores que discorriam sobre os mais variados temas e assistia-se a tudo o que Angra apresentasse de cultural. O Sarau músico-literário, em honra de São Tomás de Aquino, era de natureza singular nos Açores. O Orfeão do Seminário apresentou programas com exibições de alta qualidade.
Para o jovem seminarista, as actividades jornalísticas começavam cedo – Nos Miúdos, com o jornal O Arauto e, nos Médios, com o Carpinteiro. O testemunho de Esaú Dinis documenta o envolvimento de alunos e professores do Seminário em revistas e jornais desde longa data. Os PRELUDIOS, revista mensal de Religião e Cultura (1924 a 1928). A revista DOMINUS VOCAT, publicada a partir de Junho de 1941 era um suplemento literário do Boletim Eclesiástico dos Açores. A VOZ DA JUVENTUDE (1948), página literária do jornal A União, sob a direcção de Coelho de Sousa. O PENSAMENTO (1953), como suplemento cultural quinzenal da União, sob a égide de José Enes e Artur Cunha de Oliveira e com um grupo de alunos teólogos. Em 1956, nasce o EUNTES publicado por alunos do Curso Teológico com direcção e administração do Seminário de Angra.
Outras experiências muito positivas foram o orfeão, o teatro, o armar o presépio, o Clã Bento Góis, a Conferência de São Vicente de Paulo, a obra da cadeia, o desporto e encontros de férias. Cunha de Oliveira, em entrevista concedida ao Diário Insular, a 27 de Julho passado, diz que “a grande revolução que se fez nas décadas de 50 e 60 foi a de atender à parte humana das pessoas.” No pertinente à relação sociedade-seminário, o antigo professor diz que “havia uma atitude um pouco de segregar.” Continua: “O que fizemos foi, praticamente abrir o seminário para a sociedade. O José Enes e eu viemos de Roma e trouxemos essa ideia: Temos de abrir o seminário à sociedade e procurar cultivar os açorianos, não apenas sob o ponto de vista religioso, mas também de cultura em geral.” – A estrutura estava criada e o jovem seminarista deixou-se tocar pela motivação intelectual.
A execução do plano, que objectivava abrir as portas do Seminário à sociedade e prestar mais atenção à formação humana dos seminaristas, não aconteceu sem dor e ranger de dentes – queixas para o Vaticano, perseguição da PIDE, transferência involuntária de professores para o Seminário Menor, em Ponta Delgada. Correntes divergentes conduziram o Seminário ao estado de crise que culminou com a saída do Seminário de um curso inteiro, em 1968.
O NEGATIVO. As experiências negativas mais comuns poderão catalogar-se desta forma: disciplina e horários rigorosos, vigilância 24/7 para todo o lado, castigos desnecessários como por exemplo o estudar de pé, repreensões caprichosas, licenças para tudo, favoritismos, controle, restrições de vária ordem como nas leituras e música – escutar um fado seria escolha desaconselhável – Conforme a personalidade do prefeito, a disciplina poderia tomar tons mais amenos e compreensivos.
A mulher e a sexualidade humana nunca chegaram a ser definidas. Circundavam-se. Um director espiritual caracterizou a mulher no que ela não é ao sugerir que deveria ser vista como se fosse Nossa Senhora de Fátima ou uma irmã nossa. – No Seminário, in loco parentis, estavam os SUPERIORES. Isso não terá sido justamente uma troca quid pro quo, já que não se compartilhava a mesma mesa e o mesmo pão.
Duma leitura deste álbum, poderá depreender-se que as experiências percebidas como negativas, durante o tempo de Seminário, com maior ou menor grau de latência, são resíduo no subconsciente de muitos. Contudo, o saldo geral é absolutamente positivo como veremos através de alguns depoimentos. Viveu-se a espiritualidade cristã. Formou-se e disciplinou-se o homem. O mundo académico foi exigente, atraente e compensador. Preparam-se homens para o futuro. Uma grande maioria de antigos alunos do Seminário de Angra tem carreiras de grande sucesso. Muitos são autores de obras de valor. São homens de cultura e visão, onde o bem comum é objectivo permanente.
A experiência do Seminário tocou a meninice, juventude e vida adulta de muitos. Essa vivência única, nos últimos anos, tem originado encontros, onde com alegria e saudade se canta o sacro, o clássico e o profano dos anos de Seminário. Manuel Agostinho Simas lembra: “Recordações belas, tempos ainda mais belos!”
DEPOIMENTOS. Caetano Valadão Serpa: “Gostaria de concluir dizendo que me sinto muito grato ao Seminário de Angra pelo que dele recebi… Apesar das limitações e, por vezes, rigidez disciplinar, ideológica e religiosa, que uma vez subtraídas à substância da formação humana, deixaram um saldo francamente positivo, útil e válido para o resto da vida.” Esaú Dinis: “Para mim, o Seminário de Angra, na década de 50, foi “país” de crescer. As décadas de 60 e 70, com o Vaticano II e seu impacto, foram país de mudar. O sagrado humanizou-se. O seu paladar persiste. Exigente.” Emílio Porto: “Mas arrisco a dizer que valeu a pena.” Álamo de Oliveira: “Esta nota pretende ser uma forma de reavivar memórias curtas e de reconhecer o muito que o Seminário de Angra deu e continua a dar à sociedade dos Açores.” Álvaro Monjardino: “Ao recordar todas estas mudanças não poderá ignorar-se o contributo que, nessas décadas, para elas deu o Seminário de Angra – na renovação espiritual do meio e na mentalidade criada para ajudar (e até determinar) alterações sociais e mesmo políticas que trouxeram uma feição nova a este arquipélago.” José Dioclécio Ribeiro: <>