memorandum
João-Luís de Medeiros
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1 – “Dá-me a noite rebate ao pensamento” (A. Quental)
Nas comunidades pensantes nem sempre há espaço ideológico para o eterno descanso das exactidões. A humanidade continua a coexistir com as “aproximações” que lhe são facultadas, preferindo ser empurrada contra o arame farpado das probabilidades tangenciais à verdade. Ora como a verdade amedronta os incautos, foi preciso inventar a ‘palavra’ para mascarar as confissões intempestivas do pensamento. Daí que as gerações ditas modernas nem sempre resistem ao hábito de iniciar as suas narrativas com a seguinte precaução: … era uma vez a ‘palavra de honra’!
O mundo não tem sido um exemplo de paz, talvez porque o universo é uma experiência em trânsito; os indivíduos são meros pingos no infinito. Imagino que a humanidade vai ‘descobrindo’ o seu percurso à maneira que avança. Se o mundo fosse criado perfeito não haveria sentido em optar pelo ‘itinerário’ da relatividade, porque estaria tudo muito bem-feitinho à nossa espera…
Entretanto, a palavra ‘democracia’ continua a ser esfrangalhada pela algazarra dos feirantes da opinião. Quase nos apetece esticar a conversa até ao pensamento do filósofo cristão, Francis Schaeffer, que gostava de dizer que ‘a democracia é a ditadura dos 51 por cento’ … Os chamados fundadores dos E.U.A. (há 238 anos) temiam que a ‘virgem democracia’ fosse canonizada pela escravatura, depois de Jefferson ter fechado o famoso negócio da ‘Louisiana Purchase’. Em finais do século XVIII, por uma questão de pragmatismo pós-colonial, os inventores dos Estados Unidos d’América apostaram no tipo de ‘república constitucional’. (Ora, vejamos o Artigo IV, Secção 4, da Constituição norte-americana: há ali uma posição clara que recomenda “cada Estado manterá a forma republicana de governo”).
2 – Viva a diversidade: nada de confundir igualdade com uniformidade…
“Igualdade” é outra palavra mágica muito em voga no léxico do sermão político alusivo ao constitucionalismo norte-americano. O perigo está na pressa de confundir (ou misturar) “igualdade com uniformidade”. O próprio conceito de santidade tem sido equiparado ao ‘primeiro-prémio’ da lotaria da bondade! Sinto-me cada vez mais convencido de que o prémio da ‘igualdade’ e a lotaria da ‘santidade’ são crendices de recurso para suavizar a precaridade existencial da natureza humana. Todavia, aceito que ambas noções possam funcionar como percursos alternativos para enfrentar o tenebroso ‘encontro’ com a Verdade…
Ora, face à circunstância de me encontrar ainda vivo (embora cada vez mais perto da ponta final da existência humana) talvez não seja arrogante dizer que a morte é porventura um instrumento indispensável ao serviço da democracia radical. Ou seja, nada melhor do que a morte para vazar a confusão das diferenças individuais no oceano universal da igualdade. Entretanto, há cerca de 12 anos, arrisquei manifestar publicamente o seguinte desejo: “… caminhar o resto da existência com um cravo vermelho no cano da palavra”.
3 – Que bom ser aprendiz da Vida a caravelar no oceano da sabedoria…
Desde o início da década de 1960 (sobretudo, a partir de Abril, 1974) tive a boa-sorte de usufruir da proximidade com mestres valiosos que me ensinaram a táctica de comparar ideias e a arte de compreender noções básicas da ciência politica. Felizmente, a minha ignorância (involuntária) nunca foi factor escondido na algibeira da vaidade. No tempo em que assentei praça na bancada do PS, na Assembleia da República, fui depressa aceite como caloiro faminto do saber: Mário Cal-Brandão, Igrejas Caeiro, António Guterres, Medeiros Ferreira, Teófilo Carvalho dos Santos (para mencionar apenas o grupo que se sentava na mesma área parlamentar) todos tiveram pontual conhecimento do nível secundário da minha preparação escolar.
Ainda hoje ( apesar da distância temporal de 36 anos) parece que ainda sinto alguns calafrios de memória ao recordar a voz presidencial do inesquecível camarada, Vasco da Gama Fernandes: “- para que deseja V… usar da palavra?”
Conclusão: há pouco dizia que “o Universo é uma experiência e trânsito”. Vejamos, naquele tempo – 1974-80, os mais jovens socialistas açorianos eram considerados “peixinhos vermelhos a nadar em água benta”. Depois houve a chegada do conhecido slogan “Autonomia na Constituição”, logo seguido do conhecido projecto “Europa Connosco”
…/… nos Açores, a alegria abrilista teve vida curta: por volta do ano 2.000, os micaelenses começaram a importar salsa, e a ilha de Santa Maria chegou a receber alfaces, via aérea… Eis algumas metafóricas referências aos sintomas musicados pelo refrão hedonista do tempo que passa: “quem trabalha muito não tem tempo para ganhar dinheiro”…
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Rancho Mirage, Califórnia
Março, 2014
(*) o autor não aderiu ao recente acordo ortográfico.