A Companhia das Ilhas começa a publicar este ano as Obras do escritor José Martins Garcia (1941-2002). Martins Garcia é um dos mais importantes escritores do século xx, com dimensão nacional, especialmente a partir da publicação de parte da sua obra na editora Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello, em meados da década de 70.
A ficção (romance e conto), tem proeminência na sua obra (mais de três dezenas de títulos), mas abordou também a poesia, o teatro e o ensaísmo, tendo neste domínio particular importância os seus estudos sobre Vitorino Nemésio e Fernando Pessoa.
Para cada volume das Obras de José Martins Garcia a Companhia das Ilhas convidou escritores e ensaístas para leituras pessoais: este ano, as aberturas de cada
romance de Martins Garcia têm a assinatura de Luiz Antonio de Assis Brasil (A Fome), João Nuno Almeida e Sousa (Lugar de Massacre), e Alexandre Borges (O
Medo). Para os anos seguintes estão confirmados, entre outros, Joel Neto, Manuel Tomás, Miguel Monjardino,Nuno Costa Santos, Renata Correia Botelho, Rosa
Maria Goulart e Vamberto Freitas. A coordenação destas Obras de José Martins Garcia é da responsabilidade dos escritores Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado.
Urbano Bettencourt (Piedade,Pico, 1949), é Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa. Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores,com a tese Inquietação insular e figuração satírica em José Martins Garcia (2013).
Carlos Alberto Machado (Lisboa, 1954) é Licenciado em Antropologia (FCSH/UNL) e Mestre em Sociologia da Comunicação e Cultura (ISCTE). Editor da Companhia das Ilhas.
As Obras de José Martins Garcia integram a Biblioteca Açoriana da editora, que pretende constituir um fundo bibliográfico de referência e, ao mesmo tempo,
resgatar do esquecimento obras e autores relevantes do panorama literário açoriano e nacional, cujos livros não estão disponíveis em livrarias e bibliotecas.
O primeiro título da Biblioteca Açoriana saiu em Abril: Almas Cativas e Poemas Dispersos, de Roberto de Mesquita, com organização e prefácio de Carlos Bessa.
Dados biográficos de JOSÉ MARTINS GARCIA:
José Martins Garcia nasceu na Criação Velha, ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941. No então Liceu Nacional da Horta fez uma parte dos seus estudos. Os bons resultados escolares deram-lhe acesso a uma bolsa da Junta Geral, o que lhe permitiu completar o curso liceal no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa,cidade onde se licenciou em Filologia Românica pela Faculdade de Letras. No ano lectivo de 1964-65 foi professor eventual no Liceu da Horta. Chamado a cumprir serviço militar, em 1965, foi mobilizado para a Guiné, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta em Lugar de Massacre (1975),um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra em África, incluído por Rui de Azevedo Teixeira no grupo dos oito romances obrigatórios,canónicos, da literatura da Guerra Colonial. Essa
experiência acabaria por pontuar, sob diversas formas e em diferentes circunstâncias, o conjunto da sua obra. Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na
Universidade Católica de Paris. De regresso a Portugal,leccionou na Faculdade de Letras de Lisboa entre 1971 e 1979. Neste ano rumou aos Estados Unidos como professor visitante da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984;o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da morte e no livro de poemas Temporal.De seguida ingressou na Universidade dos Açores,onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: «coração despedaçado»,
escrito precisamente durante a sua permanência nos Estados Unidos e graças às condições de investigação aí encontradas, como o próprio autor confessa na apresentação da obra; a tese representa a sucessiva expansão de um projecto inicial de recensão crítica a um livro sobre o poeta dos heterónimos.
Na Universidade dos Açores foi o responsável pela introdução da cadeira de Literatura Açoriana nos planos curriculares das licenciaturas em Línguas e Literaturas
Modernas, da qual foi docente durante alguns anos, e ocupou os cargos de Vice-Reitor e director da revista Arquipélago-Línguas e Literaturas, tendo terminado a sua
carreira académica como Professor Catedrático.
A sua relação com a imprensa de Lisboa está atestada pela colaboração no suplemento Letras e Artes do jornal República (1972-1974), onde publicou uma boa
parte das críticas e ensaios reunidos em Linguagem e Criação (1973), bem como as crónicas de Katafaraum é numa nação (1974). Entre 1973 e 1974 foi ainda crítico
literário da Vida Mundial; colaborou igualmente n’A Capital e no Diário de Notícias, prolongando-se a colaboração neste último até Fevereiro do ano seguinte.
Em Fevereiro de 1976 passou a exercer as funções de director-adjunto do Jornal Novo.
A partir do início dos anos setenta, como refere Ricardo Jorge, José Martins Garcia torna-se «um dos mais assíduos colaboradores de Fernando Ribeiro de Mello
nas Edições Afrodite», onde, aliás, publicou parte da sua obra, a começar por Alecrim, alecrim aos molhos (1974)e a prolongar-se em obras de referência como Lugar
de Massacre (1975), A fome (1977) e Revolucionários e Querubins (1977). Além disso, a sua colaboração com Fernando Ribeiro de Mello traduziu-se na escrita de
prefácios, na organização de antologias e na tradução,substituindo, com as devidas distâncias, «a conterrânea Natália Correia como referência literária da Afrodite.»,na opinião de Pedro Piedade Marques.
José Martins Garcia faleceu em Ponta Delgada a 3 de Novembro de 2002.
Urbano Bettencourt