Sul do Brasil, Porto Alegre, Praça da Alfândega, mês de outubro, primavera. Neste lugar único, onde no passado o cais do porto marcava o ponto de encontro do Rio Grande do Sul com o Brasil e o resto do Mundo, quando os jacarandás florescem, suas flores numa sinfonia de tons lilases caem em profusão, uma chuva de pétalas cobrindo como um tapete aveludado o chão da histórica Praça. É tempo de Feira de Livro, um dos mais importantes eventos culturais do País, a maior Feira Livros de céu aberto da América Latina.
As flores de jacarandá – numa simbiose com o colorido das barracas, o burburinho contagiante dos animados expositores, visitantes e escritores, compõem a paisagem e a Praça da Alfândega alcança o auge da sua beleza.
Este cenário inefável foi o palco da estréia nacional do documentário “Luiz Antonio de Assis Brasil – O Códice e o Cinzel” do cineasta piauiense Douglas Machado, no dia 9 de novembro de 2007, no cinema do Santander, como parte dos eventos da 53º Feira do Livro de Porto Alegre.
Quarto documentário da Série “Literatura: Brasil” retrata a vida e o universo literário do escritor gaúcho, de ascendência açoriana, Luiz Antonio de Assis Brasil. Trata-se um projeto inédito, grandioso, uma realização da Trinca Filmes em parceria com o Instituto Dom Barreto. IDB de Teresina,Piauí, que tem como propósito oferecer um painel da Literatura Brasileira contemporânea,enfocando escritores vivos, representantes das mais diferentes regiões do Brasil. E visa, sobretudo, levar o espectador a flanar pelo Brasil nas asas do imaginário criativo do cineasta Douglas Machado, a realizar uma viagem ao mundo literário do escritor, incentivando à leitura, a conhecer aspectos e vivências do nosso País, a vasta cultura brasileira, rica, viva, manifestada de forma particular do Norte ao Sul do grande continente verde-amarelo.
Neste projeto, uma nova perspectiva cultural se impõe – a socialização do conhecimento, a prática da democracia cultural onde todos são portadores e fazedores de cultura. Uma cultura que fortaleça a liberdade individual e coletiva, consolidada pela gozo pleno da cidadania.
Entre os títulos já lançados pela referida série de documentários, de longa-metragem, estão: “H.Dobal – Um Homem Particular” (2002), que apresenta as memórias do poeta piauiense Hindermburgo Dobal, de sua cidade natal, Teresina e traça um olhar crítico sobre a descentralização da cultura no Brasil; “O Sertãomundo de Suassuna” (2003), sobre a vida do ficcionista, poeta, dramaturgo da cultura, Ariano Suassuna –“o decifrador de brasilidades” e “Marcos Vinicios Vilaça – O Artesão da Palavra (2005) onde através de uma viagem de caminhão desde São Miguel das Missões, no extremo Sul do Rio Grande até Olinda, Pernambuco, no nordeste, o diretor Douglas Machado trava um diálogo com o escritor Marcos Vinicios Vilaça e seu universo literário.
Ao se debruçar na feitura deste quarto documentário dedicado a um escritor gaúcho, o cineasta piauiense, Douglas Machado, o faz com um olhar vindo de longe, do nordeste brasileiro, da terra do babaçu e da carnaúba, da caatinga, do semi-árido serpenteado pelo Rio Parnaíba, das praias esmeraldas, quentes e areias alvíssimas, do Brasil tropical onde as temperaturas oscilam entre 18º e 39º. De uma região em que a pecuária também é tradição desde o século XVII e os costumes e a própria cultura popular, liga-se à terra agreste do sertanejo boiadeiro ao pastoril. Igual ao Rio Grande do Sul do Assis Brasil, do pastoril sulista, do gaúcho pilchado, da chama crioula da tradição, da imensidade do pampa e tão desigual. O olhar distante a comungar com o olhar de casa: frente a frente – os dois brasis: o do cineasta e o do escritor. De um lado, o narrador – o fio condutor da história e de outro, Assis Brasil – personagem de sua própria história.
No documentário, “o olhar estrangeiro” do cineasta nordestino focaliza o pampa gaúcho traçando um paralelo com a literatura produzida pelo escritor, a qual desenvolve esse mesmo olhar, como bem expressa Douglas Machado ao falar sobre a razão de fazer um filme sobre a vida e obra do escritor : “acreditamos que sua literatura abraça, com maestria, o Rio Grande do Sul e seu passado histórico inserindo-o como pano de fundo de seus romances.”
Entre parênteses fica a observação sobre o título “O Códice e o Cinzel” dado pela professora Léa Massina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e que está plenamente justificado por seu interesse pela História, seu cuidado em registrar com minucioso detalhamento os fatos históricos que circundam a trama do romance, acrescentando realidade aos personagens fictícios. Com a mão de mestre, usa do cinzel para esculpir cada personagem seja real ou ficcional, para desenhar com esmero o cenário, deixando fluir a emoção e o imaginário de cada um enquanto as vozes se fazem ouvir desde a quietude do pampa “enorme e ancestral” carregadas pelo vento minuano.
(Continua…)
Créditos: Acervo fotográfico do escritor Assis Brasil e do cineasta Douglas Machado/II foto: Alcy Cheuiche