O convidado do Correntes, Guilherme de Oliveira Martins referiu-se ao medo da cultura como conhecimento, como transformação da natureza, como letras, artes, ideias, como educação e ciência… e, embora possa parecer estranho trazer a economia para esta conversa, o certo é que, etimologicamente, não podemos esquecer que a «regra da casa», que vem do grego oikos e nomos, só tem sentido se puser as pessoas no centro dos acontecimentos e se entendermos que nem tudo tem preço, mas que tudo tem valor, até porque o que tem mais valor é o que não tem preço. Eis porque a economia humana tem a ver com gente de carne e osso, com a exigência de garantir que ninguém nos seja indiferente. A economia é, pois, para aqui bem chamada para nos dizer que a cultura começa exatamente quando as pessoas têm de cuidar do valor de tudo o que as rodeia, muito para além do preço, que não compra nem a honra nem a dignidade que são matéria-prima da cultura. Como disse T.S. Eliot num ensaio célebre sobre a definição da cultura: «Tal como democracia, a palavra cultura precisa não só de ser definida, mas também ilustrada, cada vez que a empregamos.
É através da cultura que somos levados a perceber que a identidade e a diferença se completam, a tal ponto que, fechando-se uma cultura sobre si mesma, torna-se depressiva e decadente, ficando cega à memória e ao entendimento dos outros. Assim, quem tem medo da cultura é quem baixa os braços perante a força avassaladora do imediato, da simplificação e da indiferença. E quem se deixa vencer por esse medo atávico, verifica para mal dos seus pecados que, se tudo começa na cultura, segue rapidamente para a economia humana, porque o que verdadeiramente importa é saber se a vida das pessoas é fim ou é meio.
E prosseguindo a reflexão afirma Guilherme de Oliveira Martins «Os cérebros mal preparados vergam sob a diversidade de conhecimentos e os quadros da cultura, à força de se alargarem, quebram-se». Marguerite Yourcenar em «Diagnóstico da Europa» (1929) toca assim no tema difícil do empobrecimento da cultura e das humanidades.
O conferencista defendeu que é preciso um grito de alerta e avisou que a ameaça à cultura vem da facilidade, do autocomprazimento e da mediocridade.
Em conclusão, Oliveira Martins refere-se a um património cultural não retrospetivo, é passado, presente e futuro, é material e imaterial, são pedras mortas e pedras vivas, é um dever, é memória e é criação presente, não pode ser assunto do Estado burocrático, mas da República moderna, livre e democrática, centrada nos cidadãos, como nos ensinou António Sérgio há cem anos, nas páginas de «A Águia», na sua inolvidável «Educação Cívica». Eis porque devemos dar à sociedade civil um papel mais ativo nos valores, se soubermos contrapor uma ética de cidadania, aliada à qualidade na educação, formação, ciência e cultura. A defesa das humanidades tem de corresponder à recusa da facilidade e do novo-riquismo e ao apelo à vontade e à criação. Como poderemos defender a cultura que nos foi legada sem mobilização dos cidadãos e sem democratização do Estado? Medo da cultura é, afinal, medo da liberdade e da democracia.