Oração de Sapiência: De Marx a Darwin
1.A Desconfiança das Ideologias. Muitas instituições universitárias ainda mantêm, hoje em dia, na abertura do ano lectivo, a tradição medieval da Oração de Sapiência, segundo a qual um orador reflecte as preocupações e inovações do saber. Pessoalmente, além de ter assistido a uma na universidade onde lecciono, calibrei a minha mente e alimentei o meu entusiasmo na leitura do livro De Marx a Darwin – A Desconfiança das Ideologias, da autoria de Onésimo Teotónio Almeida, publicado em Setembro de 2009, pela Gradiva Publicações, S. A. Trata-se de uma obra de carácter filosófico, em que o autor se concentra “em torno das implicações teóricas, sobretudo no domínio da ética, do paradigma darwinista, que no universo intelectual suplantou hoje o marxismo como explicação última do mundo.” (p.11). Em citação de Theodosius Dobzhansky: “Nada em biologia faz sentido excepto á luz da evolução.” (p.11).
Para alguns leitores, mais habituados às crónicas e à ficção do escritor, esta obra, de carácter filosófico, certamente representará um caminho de diferente piso. Contudo, Onésimo Teotónio de Almeida já há dezenas de anos que, na Brown Universtiy, rege cadeiras interdisciplinares na área da historia das ideias, da filosofia das ciências e dos valores. Uma delas <
As reflexões que se seguem não pretendem ser uma recensão do livro, mas são apenas baseadas no capitulo 5 que trata Do (re)conhecimento da ignorância como saudável atitude fundacional.
2. A Certeza da Certeza. Filósofos, pensadores e estudiosos, de todos os tempos, têm-se recolhido em silos de silêncio em busca da verdade. Em que medida é que o homem se há libertado da ignorância e alcançado a verdade? Que certezas poderá ter o homem? Poderá haver uma certeza da certeza? O Professor, Onésimo Teotónio Almeida, analisa essas questões através de uma vasta bibliografia e transmite a sua opinião no 5º. Capítulo do seu livro de Mark a Darwin.
O autor, referindo-se, ao neo-darwinismo, fala “sobre a imensidão da ignorância em que o novo paradigma científico nos coloca, a par do incomensurável número de conhecimentos”, (p.90). O escritor retrocede no tempo para citar Francisco Sanches, (sec. XVI), que defende “não um cepticismo pirrónico, mas uma atitude de espírito que reconhece a natureza transitória das nossas certezas.” (p.90) e continua com Karl Popper que aponta “a falta de fundamentação para aquilo que consideramos certeza…”, (p. 91)
Num colóquio sobre a questão da <
Segundo o escritor, a história da filosofia, desde a Idade Antiga até aos tempos modernos, rejeita a tese da unicidade do conhecimento. Diz o autor: “Como é possível saber se o conhecimento é único se não nos é possível ter um conhecimento abrangente?” (p. 92). O próprio Leibniz, mesmo com uma obra de 120 volumes de escritos, num total de 150 mil páginas revela “as imensas limitações do seu conhecimento…” (p. 93).
O investigador respiga a opinião de autores de diferentes disciplinas. Na Filosofia da Ciência, cita Adam Morton: “… Cada cientista é um leigo no que respeita à maior parte da ciência; nenhuma pessoa consegue dominar toda a doutrina científica e deve contentar-se com uma certa aproximação de um certo senso-comum em relação a grande parte dela.” (p. 95). Noretta Koertge, autora feminista, “põe em causa uma vasta gama de teses em circulação actualmente, acrescentando também que há uma infindável bibliografia a que de modo nenhum se pode chegar em pleno.” (p. 96). No que se refere à mecânica quântica, Jeffrey Bub aparece citado nos seguintes termos: “Notavelmente, não há consenso geral entre os físicos quanto à natureza do problema, ou mesmo se existe um problema genuíno.” (p. 97).
No campo das Ciências Cognitivas, o professor da Brown cita Patrícia Churchland: “O facto é que conseguimos ainda muito pouco nisso de entendimento fundamental do cérebro […] Não sabemos como os neurónios codificam informação. É muito não saber”, (pp. 98-99). Prossegue com mais duas citações – uma, de Francis Crick: “…os filósofos podem pensar que explicam [a consciência], mas tudo o que fazem é argumentar acerca dela sem de facto descobrirem o que nela se passa.” (p. 99). A outra é de Christof Koch: “Nunca se deve fazer caso das respostas dos filósofos, mas deve-se dar atenção às suas questões.” (p. 99).
No concernente à Ética ou Filosofia Politica, o Dr. Onésimo Almeida opina que “a problemática dos valores nos faz tropeçar constantemente em escolhos e encalhar em baixos susceptíveis de provocarem rombos no barco.” (p.101). Mais adiante, em referência aos filósofos, escreve: “Refugiam-se em rebuscadas linguagens sem se aperceberem de ser essa a táctica da avestruz, pois, pensando escudarem-se nelas, apenas escondem a cabeça.” (p. 103). O autor expressa a sua conhecida estima pelo humor, dizendo que, às vezes, esse “surge como a única saída possível”.
3. Conclusões. Até que ponto poderá o homem considerar-se detentor da verdade ou ignorante em relação à mesma? Vejam-se algumas das conclusões do Dr. Onésimo Teotónio Almeida: “Não pretendo de modo algum minimizar os esforços feitos por gerações de pensadores, nem é minha intenção insinuar que tenha sido inútil todo o trabalho de reflexão e pesquisa.” (p. 105). Continua: “… em cada disciplina há pelo menos alguns avanços e que nas ciências naturais há mesmo progressos impressionantes. Mas em cada caso apenas se leva mais longe o conhecimento para se estancar mais adiante face a novas questões tão ou mais complexas do que as anteriores.” (p.105). “O que verificamos é que cada conhecedor profundo de um ramo da ciência se considera profundamente ignorante nos outros.” (p. 106).
O professor diz repetir frequentemente o facto de não ter “respostas globais nem globalizantes. A tentativa de sugerir sínteses há muito me ultrapassou… porque a síntese é sempre provisória… conservadora, estática; é a analise que permite o avanço, se bem que também o erro, de que as sínteses estão também cheias.” (p. 109)
Ainda do catedrático: “Afinal crescer é divergir.” (p.109). “Há algo de pragmático no domínio humano… porque o nosso agir na vida real tem mais de engenharia do que de Física ou Matemática. Asseguramo-nos dos mínimos de certezas para a vida poder continuar.” (p. 111)
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Sobre o autor Nuno A.Vieira:
Natural da Ilha das Flores, Açores (1942).Estudou no Seminário de Angra do Heroísmo,Ilha Terceira. Emigrou para os Estado
s Unidos em 1968. Licenciado em Humanidades e Ciências Sociais pela Universidade de Massachusetts em Dartmouth e Mestre em Educação Bilingue pelo Boston State College. Formado em Português, Espanhol, Latim, Inglês e Psicologia Escolar pelo Departamento de Educação de Boston, sendo Professor de Espanhol, Latim e Português, no Liceu de Stoughton e em Universidades (particulares e do estado)na área de Boston. Nos últimos anos, colabora regularmente nos jornais: Portuguese Times (New Bedford,EUA), Sol Português (Toronto,CA), A União (Ilha Terceira,Açores PT),As Flores (Ilha das Flores,Açores PT) e na revista Atlântida.